Neste final de semana o governo dos EUA discute com a oposição os termos de um pacote econômico que é a condição para o pagamento de dívidas que vencem na próxima semana. Os EUA levando pito da China, exortados a pagarem em dia seus compromissos! O artigo abaixo, de Paul Krugman, nobel de economia e colunista do New York Times, trata do assunto. Até colunistas insuspeitos, sempre deslumbrados com as coisas dos 'States', escrevem hoje sobre os riscos do calote estadunidense, como é o caso de Miriam leitão, cujo link segue também abaixo.
Beirando a loucura
Não há muitos aspectos positivos a destacar na chance de um calote da dívida dos EUA. Mas assistir a tantas pessoas que estavam em estado de negação farejando a loucura no ar encerra algo de alívio cômico de humor negro.
Vários comentaristas parecem chocados com o grau de insensatez dos republicanos. "O Partido Republicano enlouqueceu?", eles indagam. Sim, enlouqueceu. Mas não é algo que tenha acontecido a partir do nada, é o ponto culminante de um processo que vem se desenrolando há décadas.
Qualquer pessoa que se espante com o extremismo e a irresponsabilidade exibidos agora ou não vem prestando atenção, ou vem fazendo vista grossa de propósito.
E àqueles que agora se angustiam com a saúde mental de um de nossos dois partidos políticos principais: pessoas como você têm responsabilidade pelo estado em que esse partido está.
O presidente Obama se dispõe a assinar um pacto para a redução do deficit que consiste em cortes de gastos, incluindo cortes draconianos em programas sociais fundamentais, como a elevação na idade mínima que dá direito ao Medicare. São concessões extraordinárias.
Mesmo assim, os republicanos estão dizendo "não", e ameaçam impor um calote dos EUA e criar uma crise econômica, a não ser que consigam um acordo unilateral.
Se um republicano tivesse conseguido arrancar o tipo de concessões sobre o Medicare e a Previdência Social que Obama oferece, isso teria sido uma vitória conservadora.
Mas, quando essas concessões vêm acompanhadas de aumentos pequenos na receita e partem de um democrata, as propostas viram planos inaceitáveis para afogar a economia americana em impostos.
Para além disso, a teoria econômica vodu tomou conta do Partido Republicano. O vodu "supply-side" -segundo o qual as reduções de impostos se pagam e/ou que qualquer elevação nos impostos levaria ao colapso econômico- tem força dentro do Partido Republicano desde que Ronald Reagan aderiu ao conceito da curva de Laffer.
Antes, contudo, o vodu era contido. O próprio Reagan promulgou aumentos importantes de impostos, contrabalançando cortes iniciais.
Até mesmo a administração de George W. Bush evitou afirmações extravagantes sobre a magia das reduções de impostos, pelo medo de que isso levantaria dúvidas quanto à seriedade da administração.
Recentemente, contudo, a contenção voou pelos ares -na realidade, foi expulsa do partido. No ano passado, Mitch McConnell, líder da minoria no Senado, afirmou que os cortes de impostos feitos por Bush haviam levado a um aumento da receita -o que contrariava completamente as evidências-, declarando que essa era "a visão de praticamente todos os republicanos".
E é verdade: mesmo Mitt Romney, visto por muitos como o mais sensato dos cahttp://www.blogger.com/img/blank.gifndidatos à Presidência em 2012, endossou a ideia de que reduções nos impostos podem de fato reduzir o deficit.
Isso me conduz novamente aos que só agora encaram de frente a insensatez do Partido Republicano, que não tem enfrentado nenhuma pressão para que demonstre responsabilidade ou racionalidade -e, dito e feito, ele endoidou. Se você está surpreso, significa que você foi parte do problema.
ARTIGO ORIGINAL DE PAUL KRUGMAN NO NEW YORK TIMES DE HOJE.
COLUNA NO GLOBO - MIRIAM LEITÃO
Eles não podem
Se você é um sobrevivente das crises dos anos 80 e 90, pense no que seria impensável naquela época: que os Estados Unidos entrassem numa corrida contra o tempo para evitar o calote da dívida. Seria visto como improvável o que aconteceu ontem: o presidente alertar para o risco de o mercado exigir juros maiores por desconfiarem do Tesouro, e a China mandar os Estados Unidos terem juízo.
Naquelas décadas, crises sacudiram países latino-americanos e asiáticos. O norte continuou sendo os Estados Unidos. Seria impensável que a maior economia do mundo estivesse vivendo os dias que está vivendo: esta semana, o presidente Barack Obama fez dois pronunciamentos, seguidos de entrevistas, na Casa Branca, com repórteres fazendo perguntas que nos pareceria delírio naquele tempo em que eles tinham o monopólio da força.
No dia 16 de maio, os Estados Unidos atingiram o limite do endividamento permitido. Depois disso, passaram a gastar os recursos extraordinários que vão acabar no dia 2 de agosto. É urgente, imprescindível e dramático que eles cheguem a um acordo. O cenário político polarizado pelo clima eleitoral antecipado tem impedido que republicanos e democratas concordem com um plano de ajuste fiscal que permita a aprovação de um novo teto para a dívida.
Obama começa a admitir a possibilidade de um plano B, que está sendo negociado por alguns moderados de cada lado, com uma mudança de procedimento de votação no Congresso ou uma nova permissão provisória de elevação da dívida. Mesmo assim, disse que continuará sendo ambicioso e negociando um amplo acordo de ajuste fiscal que inclua corte de gastos e aumentos de arrecadação.
Os republicanos dizem que não aceitam aumento de impostos. Parece justo. Mas o que está realmente em jogo? Os democratas querem cortar os benefícios da indústria de petróleo, dos jatos executivos e do etanol de milho. Os republicanos pedem cortes nos gastos de assistência médica, o Medicare. Por trás do discurso anti-impostos, está a defesa dos interesses dos muito ricos e um ataque a uma das plataformas políticas de Obama.
As agências de risco assistem a tudo perplexas. Seus manuais estabelecem que, diante de uma situação como essa, o país teria que ser rebaixado. A Standard&Poor’s e a Moody’s colocaram leves sinais negativos. A Fitch nem isso, porque acredita que tecnicamente é um “risco de evento”. Sendo assim, quando acontecer, não haverá uma pequena descida, mas sim uma queda dramática. Os Estados Unidos são há 70 anos a melhor nota de risco, referência a partir da qual as outras dívidas são classificadas. Seus títulos são classificados como o mais seguro dos papéis, AAA. Hoje, o país balança no abismo do conflito político. Se no dia 2 os Estados Unidos não tiverem um acordo e não pa$títulos vencendo, as agências teriam que derrubar a classificação para D: o pior dos riscos.
É por isso que as agências, bancos e analistas dizem que não vão considerar essa hipótese porque “eles não seriam tão loucos”. E se forem? Parafraseando James Carville, marqueteiro político de Bill Clinton, pode-se dizer para os avaliadores de risco econômico: “É a política, estúpidos”.
Os republicanos têm pouca chance de vencer a eleição de 2012. Mesmo com a crise econômica, o alto desemprego, o presidente Barack Obama é o mais provável vencedor da eleição. Os republicanos se dividiram, com uma ala de extrema direita. Alguns deles podem sim estar pensando no quanto pior melhor.
A hipótese parece absurda, mas quem avalia risco tem que pensar nela. A estridente ala conservadora dos republicanos pode querer jogar os Estados Unidos — e o mundo — na pior crise financeira de que se tem notícia. Esperemos que, como pediu a China, os Estados Unidos tenham juízo neste fim de semana, em que as negociações continuarão, e cheguem ao acordo de corte de gastos, aumento de receitas, eliminação de isenções fiscais.
Se o impensável acontecer, todos os fundos de pensão, que são os maiores investidores do mundo, teriam que sair dos títulos americanos, porque eles são obrigados por lei, estatuto ou regulação a só aplicar em papéis seguros. As empresas e bancos americanos também seriam rebaixados. A China seria afetada porque é o maior detentor individual de dívida americana. O Brasil é o quarto. É uma espiral negativa em escala mundial.
Por isso, é mais fácil acreditar que eles não serão loucos a esse ponto e neste fim de semana vão chegar num acordo. Esse conflito político não é inédito. Aconteceu em 1995, quando o líder dos republicanos era o extremado Newt Gringrich e o presidente era Bill Clinton. Mas o impasse não chegou tão longe. Depois disso, Clinton fez um ajuste orçamentário ajudado pela onda de crescimento. Agora, duas crises e http://www.blogger.com/img/blank.gifduas guerras depois, a situação fiscal americana se deteriorou extremamente. Na entrevista de ontem, um jornalista perguntou se Obama estava otimista com a possibilidade de um acordo. “Eu sou otimista, não lembra da minha campanha?” Parece que agora o bordão deve mudar. Em vez de : “Sim, nós podemos”, está na hora de fazer os republicanos dizerem: “Não, não podemos”.
Artigo original de Miriam Leitão, no Globo de hoje.
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