terça-feira, 25 de setembro de 2012

Recife, cidade cruel. Artigo meu no Diário de Pernambuco


Ganhar eleição no Recife, no período democrático depois de 1945, não era fácil. O voto renhido e sem dono da capital, já derrotou o próprio Agamenon Magalhães em 1950, que governou o estado durante os oito anos da ditadura Vargas e apresentava-se como sensível às questões sociais, através da defesa da legislação trabalhista e do programa de remoção de palafitas e mocambos, construindo vilas operárias e conjuntos habitacionais. Agamenon escreveu em seu jornal: “Fiz tudo pelo Recife, hoje ela me abandona. É minha cidade cruel”. Relembremos alguns momentos desse voto arredio.
Em 1947, Barbosa Lima Sobrinho foi o candidato do PSD, de Agamenon, ao governo, na primeira eleição depois da ditadura do Estado Novo. Ganhou no estado por 500 votos sobre o principal adversário, o candidato da UDN, Neto Campelo. Em Recife, entretanto, o vitorioso foi Pelópidas Silveira, candidato pela coligação Esquerda Democrática, e apenas o terceiro lugar no estado. Pelópidas era professor, engenheiro e político, e obteve 56% dos votos da capital. Em 1950, Agamenon disputou pessoalmente o governo e venceu o candidato da UDN, João Cleofas, também por uma margem apertada, mas perdeu a eleição na capital por três mil votos. Em 1952, a morte de Agamenon em 24 de agosto, no exercício do mandato, levou a uma nova eleição. Etelvino Lins, que foi o seu secretário de segurança durante o Estado Novo, venceu a eleição por larga vantagem, reorganizando em torno de si a máquina eleitoral do PSD. Etelvino derrotou, no estado, ao candidato do PSB, Osório Borba, por 211 a 57 mil votos, mas, foi derrotado em Recife pelo mesmo Borba, que recebeu 36 mil votos contra 30 mil de Etelvino. Em 1954, outra eleição apertada para o governo, com Cordeiro de Farias, apoiado pelo PSD, vencendo João Cleofas no estado por apenas 4% dos votos. Em Recife, a máquina governista do PSD restaria novamente derrotada.
Em 1955, a “cidade cruel” mostrou que estava mesmo era desejosa de reformas na velha ordem política e nas questões sociais. Na primeira eleição para prefeito na história do Recife, Pelópidas Silveira, político já experiente, foi eleito com 81 mil votos contra 40 mil de todos os seus adversários somados. Em 1958, Cid Sampaio, candidato da UDN ao governo estadual, derrotou, finalmente, os velhos senhores do PSD com 100 mil votos de vantagem, mas a maior parte dessa vitória deveu-se ao Recife, onde venceu com larga margem de 92 mil votos. O segredo da vitória de Cid na capital foi escolher o próprio Pelópidas para ser o seu candidato a vice-governador. A primeira derrota sofrida pelo PSD no estado levava a aliança de centro-esquerda ao Palácio do Campo das Princesas. Em 1959, Miguel Arraes foi eleito prefeito da capital e em 1962, governador. Ele venceu João Cleofas, derrotado pela terceira vez para o governo estadual, por apenas 2,5% de votos. O Recife foi decisivo para a vitória, pois 58% dos seus votos foram para Arraes.
O período democrático entre 1945 e 1960 foi marcado pela industrialização, pelo crescimento demográfico e do número de eleitores. O Recife foi de 400 a 800 mil habitantes e o eleitorado, de 60 a 170 mil votantes. As velhas oligarquias não estavam preparadas para estes novos tempos, marcados por um eleitorado livre, que exigia reformas sociais e políticas. A cidade foi cruel para todos que a queriam dócil e submissa.