domingo, 7 de agosto de 2011
A viagem do presidente eleito, por Fernando da Cruz Gouveia
Dizem estudiosos sobre a revolução de 1930, que com a participação total da Aliança Liberal na campanha em favor da candidatura de Getulio Vargas à Presidência da República, sentiu-se o país envolvido numa consciência revolucionária. O pleito daquele sábado de carnaval, 1º de março, entretanto, deu a vitória a Júlio Prestes, governista. Para João Neves da Fontoura, evidenciara-se o triunfo das atas falsas, utilizadas de ambos os lados, (os liberais eram governo em estados) a diferença estava nas proporções.
A oposição inclinava-se a aceitar o que diziam as urnas, e Júlio Prestes decidiu viajar ao estrangeiro, começando pelos Estados Unidos a pretexto de retribuir a visita de Herbert Hoover ao Brasil. Partiu, em navio fretado, comboiado por dois cruzadores, o “Bahia” e o “Rio Grande do Sul”. Comentário de João Neves: “A estas horas demanda a barra de Santos o navio Lóide, ‘Almirante Jaceguai’, vestido de novo, alcatifado e florido para levar ao estrangeiro o sr. Júlio Prestes, em viagem de núpcias com a futura Presidência da República”. Nos Estados Unidos, obedecendo o programa preparado pelo Itamaraty, visitou instituições, recebeu o título de doutor Honoris Causa em Direito, na Universidade da Pensilvânia, e foi homenageado pelo titular da Casa Branca com banquete que a imprensa elogiou.
Em caráter particular, Júlio Prestes partiu para a Europa, visitou a França e, a 12 de julho, já em Londres, cumprimentava o rei Jorge V e o Príncipe de Gales, seguindo-se visitas a autoridades governamentais e banqueiros como Schroeder e Rothshild. Os jornais consideram proveitosos os contatos com financistas e industriais ingleses, que ainda mantinham investimentos de vulto no país que Júlio Prestes preparava-se para governar. Na verdade, este era o principal objetivo daquela viagem. Na volta ao Brasil, Júlio Prestes visitou, de passagem, Portugal, onde surpreendeu o interesse demonstrado pelas coisas da cultura ao visitar os túmulos de Camões e de Eça de Queirós.
Foi tranquila a travessia, embora reinasse a bordo um clima de expectativa sobre como seria recebido no Brasil. Assim, no Recife, o navio “Arlanza” deixou de se embandeirar em arco, a pedido do próprio presidente eleito, pois a capital pernambucana continuava abalada pelo assassinato de João Pessoa, com o povo a demonstrar sentimentos sebastianistas, rezando em praça pública pela ressurreição do presidente da Paraíba. Apenas o governador Estácio Coimbra recebeu o visitante para um almoço em Palácio. Festejos aguardavam o presidente eleito em Salvador, e no seu desembarque no Rio de Janeiro nada de homenagens. Agora, a “consciência revolucionária” voltava a dominar o país, e o Brasil chegaria ao “prélio das armas”, como previa João Neves da Fontoura, o grande tribuno liberal, e outros líderes políticos gaúchos. A próxima viagem do presidente eleito seria o longo caminho para o exílio.
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 06/08/11, SEÇÃO OPINIÃO
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