sexta-feira, 8 de abril de 2011

Artigo meu no Diário de Pernambuco de hoje: Lula, doutor honoris causa


Estão de parabéns as universidades que concederam o título de Doutor Honoris Causa ao presidente Lula, a mais recente delas, a vetusta Universidade de Coimbra. Atendendo ao sentido da láurea, o mundo acadêmico reconhece que fora de suas fronteiras existe vida inteligente e que as experiências de vida por que passam certos indivíduos lhes confere um nível extraordinário de compreensão e explicação das relações políticas, da economia e da sociedade, que são, em última instância, também uma das preocupações do mundo acadêmico. Ou pelo menos, deveriam ser.

O presidente Lula dirigiu o maior ciclo de investimento em Educação na história recente do país. Dezenas de novas escolas técnicas, novas universidades e novos campis, novos cursos, abertura de milhares de vagas para alunos nas universidades públicas e outros milhares nas privadas, tanto através da concessão de bolsas de estudo quanto na ampliação dos financiamentos. Criaçãodo Fundeb e do piso salarial nacional do professor, infelizmente muito pequeno ainda, principalmente comparado com os salários de outros cargos de nível superior e também de outros poderes, em particular o judiciário. Com uma diferença brutal entre os dois setores. Enquanto o 'teto' dos salários da magistratura são tratados como se fossem um 'piso', no caso dos professores, o 'piso' virou um 'teto', porque os gestores não demonstram interesse em pagar mais do que pouco que foi estabelecido e até mesmo começam a arrochar os salários onde já se pagava um pouco melhor.

Puristas de plantão quedar-se-ão horrorizados diante da láurea concedida ao presidente que julgam vilipendiador de uma forma 'correta' da língua, seja lá o que isso signifique. Desprezam ou mesmo desconhecem um sólido conhecimento acadêmico construído pela ciência da Linguística que já conta mais de um século e que destaca a historicidade e transformação dos idiomas falados e escritos, bem como o uso da língua. De Saussure a Marcuschi, a Linguística recupera, na própria universidade, no ambiente acadêmico, a importância dos níveis de fala. O purismo e o preconceito linguísticos, por sinal, já foram inteligentemente criticados no Brasil à época do Modernismo, onde o debate surgiu em relação às formas de construção poética. Venceram Mário de Andrade, Drummond e Bandeira contra os parnasianos que não suportavam a 'língua errada do povo, a língua certa do povo'. O presidente Lula fala coerentemente esta língua, de acordo com os nossos melhores modernistas. Entende como poucos o funcionamento do Brasil, de sua sociedade e dos problemas do mundo e comunica-se coerentemente, transmitindo suas crenças, seus ideais. Aliás, seu aprendizado deu-se no diálogo com importantes intelectuais, de todas as cores, a exemplo de Sérgio Buarque de Holanda, Paulo Freire, Delfim Neto, Antonio Candido, Raimundo Faoro.

Quem sabe, no entanto, se, da indignação de alguns, não poderia surgir uma campanha um tanto quanto insólita? Um grande movimento para vetar a concessão do título de 'doutor' aos 'indoutos', abolindo a sua forma ´honoris causa`; mas também, apenas permitir o seu uso exclusivamente por profissionais que tenham cursado um doutorado com a devida defesa de tese aprovada ao final. Seria um passo precioso para livrar-mo-nos do bacharelismo que impregnou a cultura brasileira.

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 08/04/2011

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