sábado, 18 de junho de 2011

Bráulio Tavares ou Trupizupe, o Raio da Silibrina. Entrevista ao Diário de Pernambuco.


Ele nasceu em uma família cheia de jornalistas e poetas, em Campina Grande (PB), o ano era 1950. Estudou cinema em Minas Gerais, ciências sociais na Paraíba e hoje mora no Rio. Fez de tudo. Tocou em bandas de rock, traduziu obras de escritores famosos, foi roteirista dos Trapalhões, compôs músicas, organizou festivais de repentistas, escreveu peças de teatro e publicou mais de 10 livros. Bráulio Tavares é um defensor nato da cultura nordestina e, hoje, está no Recife. A partir das 19h, ele participa do debate Forró: passado, presente e futuro, ao lado de Chico César, do secretário de cultura Fernando Duarte e do jornalista José Mário Austragésilo. O encontro é no Centro Cultural dos Correios (Bairro do Recife), com entrada franca. No sábado, participa do Circuito de Forró, repente e poesia, no Mercado da Madalena, a partir do meio-dia.

entrevista >> Bráulio Tavares

Chico César, secretário de Cultura da Paraíba, proibiu a liberação de dinheiro público para eventos destinados ao “forró de plástico”, o que você acha dessa polêmica? O forró tradicional está em extinção?

Existe na Paraíba uma lei estadual prevendo esse critério de apoio para as festas juninas. Chico César apenas tomou a iniciativa de pôr a lei em prática. Eu sou a favor, porque se trata de uma batalha desigual, de milhares de pequenos trios de forró pé-de-serra enfrentando essas bandas que cobram cachês de R$ 50 mil, R$ 100 mil ou mais, sugam todas as verbas dos eventos, e tocam uma música que não é forró, é uma mistura de lambada, carimbó, etc. Não defendo a extinção dessas bandas, mas acho que o poder público pode intervir e corrigir essas distorções. Todo governo age para regular um mercado que está em desequilíbrio devido a monopólios, trustes, etc. Pagamos aos governos para isto. O forró tradicional não está em extinção, está apenas colocado em segundo plano nas festas juninas, um dos poucos momentos em que esses músicos faturavam maior número de shows e melhores cachês.

O nordestino está perdendo sotaque, referências tradicionais... a identidade. É culpa de quem? Da tevê? Da globalização? Não parece a história dos índios e os espelhos dos brancos ?

Todo mundo muda de sotaque, de referências, o tempo todo. Nordestinos, cariocas, paulistas, norte-americanos... Não acho que caiba a palavra “culpa”. Nós desencadeamos fenômenos fortíssimos, como as telecomunicações (rádio, TV, internet) em cima de uma população muito comunicativa, sequiosa de informação. Claro que vai haver mudanças radicais e imprevisíveis. A questão dos espelhos e dos índios não se aplica a isso. Acho que se aplica a certas situações em que um nordestino se envergonha de ser nordestino (jeito de falar, hábitos, cultura, etc) e fica tentando imitar os hábitos de pessoas de outra origem.

Para você, o que há de negativo e de positivo na invasão da internet nos lares do Sertão?

Acho positivo que qualquer comunidade tenha mais acesso a informações variadas para escolher, entre elas, as que mais lhe interessam. O lado negativo é a manipulação das mentalidades para transformar a pessoa num robô consumista. Mas isso não afeta só o Sertão, afeta também Higienópolis (SP) e a Vieira Souto (RJ).

Você e Glauco Mattoso são os últimos remanescentes da Antologia pornográfica, livro lançado na década de 1980, nos últimos suspiros da ditadura. Fale um pouco do livro e também do Movimento de Arte Pornô... ele teria impacto hoje?

Eu e Glauco estamos vivos e atuantes, mas eu me afastei um pouco desse estilo de poesia. Não por ter algo contra, mas pelas circunstâncias, tenho escrito pouca poesia nos últimos anos. Outras pessoas continuam atuantes, como a Gang do Prazer (Cairo e Denise Trindade) que faz recitais aqui no Rio há muitos anos. O impacto hoje é menor porque o palavrão é liberado.

O que significa poesia marginal? Quando e como decidiu encarar a poesia como forma de expressão?

Poesia marginal foi um rótulo momentâneo. Cada um era marginalizado (não publicava nas grandes editoras) por diferentes motivos. Depois que vim morar no Rio descobri que essa palavra tem aqui uma carga negativa muito forte. Auto-intitular-se poeta marginal era como dizer: “Sou um poeta assassino, um poeta estuprador”. Pegava mal em muitos momentos. Eu sou de uma família de poetas pelo lado paterno, lá em casa era Castro Alves no café da manhã, Augusto dos Anjos no almoço e Cecília Meireles no jantar.

Você não acha que o cinema brasileiro está ficando hollywoodiano demais? Nunca mais surgirá algo como o Cinema Novo, com linguagem própria?

O cinema segue fórmulas para conquistar público, e nesse ponto está se tornando parecido com a televisão que, antes de criar um projeto, pesquisa o que pode dar mais certo. Tem um lado hollywoodiano na forma de narrar, porque nunca se publicaram tantos manuais de roteiro. Todo mundo escreve de acordo com o bê-a-bá da cartilha de Syd Field, de McKee, de fulano, de sicrano... Os filmes ficam todos parecidos uns com os outros e nenhum deles fica parecido com Chinatown. O próximo Cinema Novo surgirá na internet e será disseminado de forma viral em notebooks, palmtops, iPads, etc. Será um cinema em tempo real.

Você chegou a escrever textos para os Trapalhões na década de 1980, auge do grupo. Como foi essa experiência?

Muito boa, me permitiu entender melhor como a tevê funciona, como as coisas são feitas, como são preparadas. E as reuniões para discutir os esquetes eram muito divertidas, horas de risadas, que não acabavam nunca. Quinze humoristas em volta de uma mesa, a tarde inteira, o que sai ali não estava no gibi.

Dá para viver com o dinheiro que ganha de direito autoral?

Só de direito autoral, não dá para viver. Tenho mais de 20 livros publicados, e umas 60 músicas gravadas (num total de umas 100 gravações diferentes). Vivo de fazer palestras, escrever para jornais e revistas, traduzir livros, fazer roteiros para TV e cinema.

DIÁRIO DE PERNAMBUCO (PARA ASSINANTES)

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Artigo meu no Diário de Pernambuco de hoje: A república é filha de Olinda?


No último dia 10 de novembro Olinda comemorou os 300 anos da proposta de república que teria sido feita por Bernardo Vieira de Melo durante os conflitos entre os senhores de engenho e os comerciantes do Recife, cujo crescimento foi uma consequência da escolha holandesa em estabelecer a ilha como centro administrativo de seu domínio. Ali foi criada uma capital política e um centro comercial com a presença de comerciantes e investidores calvinistas e judeus. Ao passo desse crescimento, durante a guerra Olinda foi atacada por diversas vezes, inclusive com o incêndio da cidade e dos seus canaviais, e depois sentiu, ainda, a redução de seus lucros pela queda do preço do açúcar no mercado internacional. O Recife viu então, sua condição de centro comercial perpetuar-se e seu porto consolidar-se como a porta do comércio da capitania. Seus habitantes eram desdenhosamente tratados de “mascates” pela nobreza dos engenhos, que lhes deviam sempre muito dinheiro e cuidavam de dificultar sua participação política.

Em novembro de 1709 o governador Castro e Caldas assinou o decreto que elevou o Recife à categoria de vila, que logo ergueu o seu pelourinho, representação do poder público. Depois de muitos protestos, os nobres invadiram o Recife em 9 de novembro de 1710 e nos dias que se seguiram derrubaram o pelourinho, constituíram um governo provisório e anularam a autonomia do Recife. Novos conflitos ocorreram até junho de 1711 e resultaram em novas batalhas no Recife, lideradas agora pelos mascates. A repressão contra os senhores de engenhos foi efetuada, seguida pela prisão de Bernardo Vieira de Melo e a confirmação do Recife como vila. Sua ascensão a partir daí seria constante até ser estabelecida como capital em 1827.

Em 10 de novembro de 1710, alguns senhores de engenho liderados por Bernardo Vieira de Melo teriam ido além de uma mera oposição à questão da autonomia do Recife e discutido a possibilidade da proclamação de uma república, inspirados pela organização política da própria Holanda e, principalmente, da república aristocrática de Veneza. Tal possibilidade seria um desdobramento da cultura política que se formou em Pernambuco depois da expulsão dos holandeses, onde os nobres viam-se como os responsáveis pela guerra vitoriosa e quiseram mesmo ter direitos de indicar os governadores da capitania, sem nunca serem atendidos. A separação definitiva na forma de uma república aristocrática, que excluía os comerciantes seria, portanto, a expressão política máxima deste sentimento de autonomia local nutrida pelos senhores de engenho.

O debate sobre a república e a sua proclamação em 1889 estava bastante longe do imaginário desta rebelião da nobreza. As principais discussões eram entre a federação e a centralização política, a modernização e o papel do café, o alcance da cidadania e do voto, o papel das oligarquias e dos militares, enquanto que a inspiração externa vinha dos EUA, de onde se copiou parte da constituição de 1891 e até mesmo uma primeira bandeira republicana. A república em 1889 não era tratada como um desdobramento de 1710, apesar da simpatia que esta ideia tinha entre os mais célebres autores pernambucanos. No momento em que o Brasil discute novamente uma reforma política, problematizar sem romantismos os projetos republicanos que foram ou não efetivados é uma excelente contribuição da história para nossa memória social.

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 13/06/11.