sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Artigo meu no Diário de Pernambuco: A reforma política, segundo Lima Barreto


Lima Barreto, carioca cujo nascimento fez 130 anos no último dia 13 de maio, foi um dos mais agudos observadores da cultura política da Primeira República, marcada pelo mandonismo, clientelismo e o controle da política pelas oligarquias. O voto não era secreto, era vedado às mulheres e analfabetos e as apurações, maculadas por fraudes, que iam da falsificação de atas eleitorais até a negação pura e simples do reconhecimento da vitória de algum oposicionista. Esta ‘degola’ era obtida através de uma comissão chamada de Verificadora de Poderes, composta pelos próprios parlamentares e controlada pelo presidente da república. Ali, apenas alguns adversários tinham seus mandatos ‘reconhecidos’, a fim de dar a aparência de legitimidade geral ao sistema político. O voto para deputado era distrital, reforçando o poder das oligarquias e dos coronéis, que praticamente, ungiam em seus distritos o candidato por eles escolhidos. Crítico arguto da república como ela se fez, oligárquica e autoritária, Lima Barreto desvelou os vícios e o habitus político que fez dela, uma caricatura de democracia. Em suas palavras, um Brasil que possuía público no lugar de povo.

Nos seus “Contos Argelinos”, publicados a partir de 1915, somos apresentados através do conto “A Fraude Eleitoral” a um Senado Federal em pleno debate por uma reforma política que aperfeiçoasse tanto a representação do mandato parlamentar quanto o processo das eleições. Após uma sessão de debates bastante promissores, com várias propostas de mudanças, finalmente, prontas para aprovação, os senadores Brederodes, Malagueta e Marcondes saem para um momento de merecido descanso. Cada um deles vai a um lugar diferente, onde passam a analisar o andamento dos debates. Diferente do otimismo do plenário, as reclamações afloram. O senador Brederodes teme o fim do voto cumulativo, proposta feita pelo colega Malagueta; este por sua vez não concorda com Marcondes, que pretende que cada distrito eleitoral tenha apenas um deputado, ao invés de três; e Marcondes, por fim, teme o projeto de Brederodes de combater as atas falsas nas eleições, pois, isso significaria que “Juca, o chefão, não o reelegeria”. No centro do debate, a falsificação de resultados e o sistema distrital para a eleição de deputados, com o agravante de que, desde 1904, com a Lei Rosa e Silva, cada eleitor votava em três nomes, podendo dar os três votos ao mesmo candidato. Acabar o voto cumulativo ou as fraudes nas apurações ameaçaria os mandatos dos nobres senadores e o poder dos coronéis. Já descansados, Brederodes, Marcondes e Malagueta regressaram ao Senado, mas convencidos, entretanto, de que não apoiariam nada que pudesse alterar a ordem das coisas.
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As semelhanças deste conto com as dificuldades do atual Congresso em discutir a reforma política revelam bem a permanência de uma cultura política permeada pela confusão entre o público e privado e pela inversão do papel do parlamentar, convertido, muitas vezes, de representante do povo em protetor do indivíduo. A modernização e o aperfeiçoamento da democracia enfrentam, ainda, não apenas o instinto de sobrevivência dos parlamentares, promotores muitos deles do clientelismo, mas também, uma experiência democrática jovem, pois que apenas há vinte anos tornamos a escolher nossos dirigentes. Um século depois dos Contos Argelinos, nossa cultura política continuaria inspirando a tenaz crítica de Lima Barreto.

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 26/08/11, SEÇÃO OPINIÃO. (Link para assinantes)

domingo, 21 de agosto de 2011

Expulsos pela fome, somalis lotam campo de refugiados


DADAAB, FRONTEIRA ENTRE QUÊNIA E SOMÁLIA - "Essa cidade não deveria existir”, diz Maira. A refugiada da Somália refere-se ao Campo de Dadaab, um verdadeiro testamento vivo da tragédia de toda uma região da África e, hoje, um certificado da falência da estratégia de combate à fome.

A reportagem do Estado está convivendo com os 440 mil refugiados que se amontoam no acampamento mantido pela ONU entre a fronteira da Somália e do Quênia. Considerado o maior campo de refugiados do mundo, Dadaab é resultado de guerras, miséria e agora da fome que atinge o Chifre da África.

Há alguns anos, a esperança da ONU era a de que uma solução começasse a ser dada aos refugiados que chegaram 20 anos atrás ao local. Mas a eclosão nos últimos meses de uma das piores ondas de fome em 60 anos na África enterrou esse plano. Desde o início do ano, 170 mil novos refugiados foram para Dadaab. Por dia, 1,5 mil pessoas chegam ao campo.

Na fuga da fome, o caminho para muitos é dos mais dramáticos. Sobreviveram à falta de alimentos, ao calor, à falta de água, às milícias, aos grupos de bandidos e mesmo aos animais. No caminho, centenas de mulheres são alvo de violência sexual e chegam grávidas.

De 30 para 440 mil pessoas

O acampamento foi criado em 1991, com o objetivo de receber refugiados da guerra civil na Somália. Cerca de 30 mil pessoas eram esperadas. Em poucos meses, o local teve de ser ampliado para comportar 90 mil refugiados da Somália. Hoje, diante da explosão da fome na África, ele já conta com 440 mil refugiados e, em poucas semanas, serão 450 mil. Os números não dão sinais de ceder, enquanto um volume cada vez maior de ONGs desembarca para construir novos locais de acolhimento, ampliando o perímetro da cidade.

Ao sobrevoar em um monomotor o campo em busca da pista de pouso que serve para a ONU e ONGs abastecerem o acampamento, a primeira imagem que se tem de Dadaab é a de um tapete de retalhos. Os tetos de plástico, lixo e outros materiais das barracas perdem-se de vista. São 50 quilômetros quadrados do que certamente é a cidade mais miserável do mundo.

Para deixar a situação mais dramática, os refugiados pouco a pouco abandonam a alegria de chegar a Dadaab pelo desespero de entender que não terão mais para onde ir. “Saímos de um inferno esperando chegar a um lugar que fosse o reinício de nossas vidas. Mas vemos que estamos em outro inferno”, diz Maira.

Para muitos, Dadaab é uma prisão a céu aberto. Os refugiados não podem se mover livremente, falta comida, água e segurança. Quase ninguém tem trabalho, nem mesmo a perspectiva de um dia sair do acampamento. Expulsos de seu país pela fome e a violência, os refugiados descobrem que também não são bem-vindos no Quênia.

Em Nairóbi, o governo queniano faz de tudo para evitar que o campo se transforme em uma cidade estabelecida. Oficialmente, a fronteira está fechada. “Mas isso não significa nada”, diz Luana Lima, uma pediatra carioca que trabalha no acampamento. “No lugar de 20 dias, estão levando 40 dias para fazer caminhos que evitem a segurança. Chegam aos hospitais em estado crítico.”

Relatos feitos à reportagem apontam na mesma direção. “Estamos em uma prisão e a pena é válida por todas nossas vidas”, conta Abu Mal. “Não podemos sair. Quem sai é preso e sofre nas mãos dos policiais.” Para evitar ser espancado, precisam pagar subornos, algo impossível para refugiados já miseráveis.

Em um recente estudo, a entidade Human Rights Watch acusou o governo do Quênia de usar policiais para intimidar os refugiados. O governo do Quênia fechou desde 2006 sua fronteira com a Somália para evitar novos refugiados. Mas Dadaab continua a ganhar terreno.

Vítimas

Se o número de refugiados é recorde, a outra parte da história é que milhares, em busca dessa cidade, ficam pelo caminho. Hana tem 42 anos e sabe muito bem o que isso significa. Ela herdou a missão de salvar seus netos. Seus dois filhos estão lutando na Somália e sua filha morreu de fome no caminho para o campo. Ela diz que as últimas palavras de sua filha foram para que ela cuidasse dos quatro netos. “Dois já morreram depois que minha filha morreu.”

Para os especialistas da entidade Médicos Sem Fronteiras, o pior ainda está por vir. A previsão é a de que a seca continuará pelos próximos dois meses. A crise foi oficialmente declarada pela ONU em julho. Mas a falta de chuvas e a situação cada vez mais desesperadora já vinham sendo registradas há meses.

Em Dadaab, famílias e ONGs perdem a calma quando a crise da fome no Chifre da África é mostrada no Ocidente apenas como um fenômeno natural. “Não há mais como mostrar garotos esqueléticos e estereótipos da fome nas capas de jornais pelo mundo”, afirma um funcionário de uma ONG que pede anonimato. “Dá a sensação de inevitabilidade.”

Os mais críticos alertam que a imagem da vítima passiva, da fome silenciosa permite que governos promovam ações humanitárias, sem serem questionados sobre como é que o mundo deixou isso ocorrer.

Para os refugiados, o envio de alimentos pelo mundo é fundamental. “Mas não queremos apenas sobreviver”, diz Mohamed, de 43 anos, que desde os 29 anos vive em Dadaab. “Podem mandar alimentos para todos e mesmo assim o problema não será resolvhttp://www.blogger.com/img/blank.gifido.”

Wolfgang Fengler, economista-chefe do Banco Mundial em Nairóbi, alerta que a crise vivida hoje no Chifre da África é “obra humana”. Para ele, a seca era previsível e ninguém fez nada. Especialistas apontam o fenômeno do La Niña como provável causa da falta de chuvas neste ano. Para ONGs e para a ONU, só haverá uma solução para a fome na África quando houver um plano e investimentos.

Assim que as primeiras gotas de chuva voltarem a cair na região, não apenas molharão a terra árida. Também darão a conveniente impressão de que o problema da fome terminou. Que era apenas uma fatalidade climática.

ESTADO DE SÃO PAULO, 21/08/2011

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Novo campus da UFRPE no Cabo de Santo Agostinho e 9 escolas técnicas federais em Pernambuco


Pernambuco vai ganhar um novo campus da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e nove escolas técnicas até 2014. O anúncio foi feito ontem pela presidente Dilma Rousseff e pelo ministro da educação Fernando Haddad, em Brasília, durante o lançamento de um pacote para expandir o ensino superior e profissionalizante no país. Os investimentos no estado são de R$ 250 milhões, sendo R$ 188 milhões destinados ao campus da Rural e R$ 7 milhões a cada uma das novas escolas técnicas. O novo campus da UFRPE vai funcionar em um terreno de 50 hectares no Cabo de Santo Agostinho. O local fica a 5km do Complexo de Suape e atenderá boa parte das necessidades das empresas do polo. Serão oferecidas engenharias química, elétrica, eletrônica, civil, mecânica e de materiais, além de ciências da computação, contábeis e de finanças. À noite, serão ofertadas licenciaturas de química, física e matemática para atender o déficit de professores.

Os alunos da Rural terão, até o 8º período, aulas de língua estrangeira. “Dominar uma ou duas línguas estrangeiras aumenta as chances de empregabilidade”, ressaltou o pró-reitor de planejamento da UFRPE, Romildo Morant de Holanda. Através de parceria com o Departamento de Letras da UFRPE, serão oferecidas aulas de inglês, alemão, espanhol, francês e mandarim, língua chinesa solicitada por algumas empresas. O campus vai atender 10 mil alunos.

As obras começam no início de 2012 e devem durar de 15 a 18 meses. As aulas estão marcadas para agosto de 2013. Além do campus, será instalado um parque tecnológico com áreas em que as empresas poderão criar centros para desenvolver trabalhos em parceria com a universidade. O projeto também inclui restaurante, auditório, biblioteca e laboratórios.

O Instituto Federal do Sertão Pernambucano vai ganhar duas unidades em Serra Talhada e Santa Maria da Boa Vista. Já o Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) terá sete campi na Região Metropolitana do Recife (RMR) e na Zona da Mata. Haverá unidades em Jaboatão dos Guararapes, Cabo de Santo Agostinho, Palmares, Olinda, Igarassu, Abreu e Lima e Paulista. Cada campi poderá atender 1,2 mil alunos. Na fase de implantação serão matriculados 240 estudantes. “A expectativa é de que as novas unidades comecem a funcionar ainda em 2013”, afirmou a reitora do IFPE, Cláudia Sansil. Os cursos serão escolhidos após audiências públicas. As diversas esferas da sociedade indicarão as demandas do mercado.
Pernambuco e Bahia foram os estados contemplados com o maior número de escolas técnicas - nove cada um. O Norte e o Nordeste foram as regiões mais atendidas pelo pacote. Quatro universidades federais serão instaladas no Pará, na Bahia e no Ceará até 2012. (Mirella Marques)

Saiba mais

Criação do novo campus da UFRPE

Local: Cabo de Santo Agostinho

Investimento: R$ 188 milhões

Área: 50 hectares (terreno na PE-60 próximo a Suape)

Cursos presenciais: engenharia química, engenharia elétrica, engenharia eletrônica, engenharia civil, engenharia mecânica, engenharia de materiais, ciências da computação, contabilidade e finanças, licenciatura em física, licenciatura em química e licenciatura em matemática

Cursos à distância: secretariado executivo

Diferencial: todos os cursos terão língua estrangeira nos 8 períodos

Alunos: cerca de 10 mil alunos

Funcionamento: aulas devem iniciar no 2º semestre de 2013

Outros estados

Até 2012, serão implementados 20 campi universitários em oito estados e 88 unidades de institutos federais em 25 estados

Além disso, prefeitos assinarão termos de compromisso para a construção de 120 unidades de institutos federais em municípios dos 26 estados e no Distrito Federal

As novas universidades federais serão instaladas no Pará, na Bahia e no Ceará

A Bahia ganhou duas instituições. A Universidade Federal do Oeste da Bahia, com sede em Barreiras, e a Universidade Federal do Sul da Bahia, que terá sede em Itabuna

A Universidade Federal do Ceará transfere três de seus campi para a Universidade Federal da Região do Cariri – campi Cariri (na cidade de Juazeiro do Norte), Barbalha e Crato

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 17/08/2011 (Link para assinantes)

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Artigo meu no Diário de Pernambuco: A Fiat, a Hemobrás e a história de Goiana


Uma das melhores notícias sobre a economia de Pernambuco trata da instalação em Goiana da planta industrial da Fiat e da consolidação da Hemobrás, empresa de biotecnologia que produzirá derivados do sangue. Estes empreendimentos demandarão investimentos em infraestrutura, pesquisa, tecnologia, ensino técnico e universidades. A tendência de concentração de indústrias entre Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho precisava ser revisada porque produziria entre as regiões do estado as mesmas disparidades econômicas que já vimos ocorrer entre o Sudeste e o Nordeste do Brasil. Essa decisão que se anuncia hoje faz justiça não apenas a um desenvolvimento equilibrado do estado, mas ao próprio passado de Goiana e seus arredores.

Durante o século 19, a Zona da Mata Norte concentrava uma grande população, e o cultivo da cana era dividido com as culturas do algodão, do café, da mandioca e a criação de gado. Goiana destacava-se à época por seus terrenos planos, sua posição fronteiriça com a Paraíba e a posse de um porto, fatores que a levaram a ser o entreposto comercial preferido por quem vinha das províncias do norte. Com grandes e importantes engenhos, mas sem depender exclusivamente da cana, no início do século 20, viu ainda o crescimento da indústria têxtil, sob a liderança de Manuel Borba, futuro governador, e de Carlos Alberto de Meneses, pioneiro na defesa da doutrina social católica no trato com os operários. Pelas ruas e praças de Goiana, também fluiu uma intensa vida cultural e política. Imprensa (a primeira do interior, já em 1830), bandas musicais e sede de várias congregações católicas. Da cidade vieram muitos dos rebeldes de 1817 e 1821 a favor da independência e, no convento carmelita, brotou a liderança de Frei Caneca, expressão marcante do liberalismo da época. Foi ainda um dos centros da agitação contra o monopólio lusitano do comércio em 1847 e do apoio à Revolução Praieira em 1848, sob a liderança de Nunes Machado. Em 1872, assistiu a novos protestos antilusitanos, desta vez contra as críticas tecidas por Eça de Queiroz a D. Pedro II durante uma viagem do imperador à Europa. Em 1916, Manuel Borba, seu ex-prefeito e deputado federal, foi eleito governador, levando adiante um programa de modernização da economia do estado.

Desde a década de 1880, entretanto, uma série de circunstâncias minou a influência de Goiana. A Great Western, concessionária inglesa de ferrovias, resolveu construir um ramal ferroviário ligando o Recife a Campina Grande para ajudar o escoamhttp://www.blogger.com/img/blank.gifento do algodão e o traçado escolhido passou por Nazaré da Mata e Timbaúba, que era o centro do cultivo da pluma na Mata Norte. O porto de Goiana foi paulatinamente perdendo importância, à medida que as estradas de rodagem e os caminhões se afirmaram na economia. As usinas de açúcar, a partir de 1900, levaram a uma onda de concentração de terras e ao abandono posterior de outras atividades agrícolas, a exemplo do próprio algodão e do café. A dependência crescente da agricultura canavieira abortou o dinamismo de cidades como Timbaúba e Goiana, que passaram, a partir de então, por um processo de concentração da renda que apenas se agravou com o tempo. O desafio atual, portanto, será sempre a reversão deste quadro social e a construção de uma cidadania mais ativa, sem os quais o crescimento continuará beneficiando apenas uns poucos.

Diário de Pernambuco, 16/08/2011 (link para assinantes)

domingo, 7 de agosto de 2011

A viagem do presidente eleito, por Fernando da Cruz Gouveia


Dizem estudiosos sobre a revolução de 1930, que com a participação total da Aliança Liberal na campanha em favor da candidatura de Getulio Vargas à Presidência da República, sentiu-se o país envolvido numa consciência revolucionária. O pleito daquele sábado de carnaval, 1º de março, entretanto, deu a vitória a Júlio Prestes, governista. Para João Neves da Fontoura, evidenciara-se o triunfo das atas falsas, utilizadas de ambos os lados, (os liberais eram governo em estados) a diferença estava nas proporções.

A oposição inclinava-se a aceitar o que diziam as urnas, e Júlio Prestes decidiu viajar ao estrangeiro, começando pelos Estados Unidos a pretexto de retribuir a visita de Herbert Hoover ao Brasil. Partiu, em navio fretado, comboiado por dois cruzadores, o “Bahia” e o “Rio Grande do Sul”. Comentário de João Neves: “A estas horas demanda a barra de Santos o navio Lóide, ‘Almirante Jaceguai’, vestido de novo, alcatifado e florido para levar ao estrangeiro o sr. Júlio Prestes, em viagem de núpcias com a futura Presidência da República”. Nos Estados Unidos, obedecendo o programa preparado pelo Itamaraty, visitou instituições, recebeu o título de doutor Honoris Causa em Direito, na Universidade da Pensilvânia, e foi homenageado pelo titular da Casa Branca com banquete que a imprensa elogiou.

Em caráter particular, Júlio Prestes partiu para a Europa, visitou a França e, a 12 de julho, já em Londres, cumprimentava o rei Jorge V e o Príncipe de Gales, seguindo-se visitas a autoridades governamentais e banqueiros como Schroeder e Rothshild. Os jornais consideram proveitosos os contatos com financistas e industriais ingleses, que ainda mantinham investimentos de vulto no país que Júlio Prestes preparava-se para governar. Na verdade, este era o principal objetivo daquela viagem. Na volta ao Brasil, Júlio Prestes visitou, de passagem, Portugal, onde surpreendeu o interesse demonstrado pelas coisas da cultura ao visitar os túmulos de Camões e de Eça de Queirós.

Foi tranquila a travessia, embora reinasse a bordo um clima de expectativa sobre como seria recebido no Brasil. Assim, no Recife, o navio “Arlanza” deixou de se embandeirar em arco, a pedido do próprio presidente eleito, pois a capital pernambucana continuava abalada pelo assassinato de João Pessoa, com o povo a demonstrar sentimentos sebastianistas, rezando em praça pública pela ressurreição do presidente da Paraíba. Apenas o governador Estácio Coimbra recebeu o visitante para um almoço em Palácio. Festejos aguardavam o presidente eleito em Salvador, e no seu desembarque no Rio de Janeiro nada de homenagens. Agora, a “consciência revolucionária” voltava a dominar o país, e o Brasil chegaria ao “prélio das armas”, como previa João Neves da Fontoura, o grande tribuno liberal, e outros líderes políticos gaúchos. A próxima viagem do presidente eleito seria o longo caminho para o exílio.

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 06/08/11, SEÇÃO OPINIÃO