quinta-feira, 19 de julho de 2012

OS EVANGÉLICOS E A DEFESA DA LIBERDADE RELIGIOSA




Os números do censo que detalham o quadro religioso no Brasil foram divulgados e comprovam o que já se percebia, que é a consolidação de um país mais plural do ponto de vista da fé. Assim, reforça-se a necessidade de uma convivência respeitosa entre as religiões, que é um princípio moral, mas também, legal, inscrito na constituição. O censo também detalha informações sobre o perfil educacional dos grupos religiosos. Os evangélicos, de forma geral, e em especial aqueles das igrejas de missões (batistas, presbiterianos, luteranos, anglicanos, metodistas) são bastante escolarizados, entre 20 a 48% estão entre o ensino médio e superior concluídos; não somos, portanto, ignorantes ou alienados, o estereótipo preferido pelas novelas globais. Não é muita surpresa, pois nossas igrejas possuem uma importante obra social no Brasil e em Pernambuco, e talvez a mais visível delas seja as nossas escolas, em especial o Americano Batista e o Colégio Agnes, em Recife, e o XV de Novembro, em Garanhuns, para falar só dos maiores. No passado, muitos evangélicos foram abolicionistas e republicanos. Temos algumas das mais competentes agências de ação social, como a Visão Mundial e a Diaconia. Centenas de nossas igrejas possuem creches, auxiliam a educação secular, e outras tantas colaboram com prefeituras e governos na formação profissional, na recuperação de drogados, e assistem aos mais desvalidos da sociedade. Todas as igrejas de missões e a maioria das pentecostais formam seus pastores em seminários, onde se cursa teologia e dezenas deles seguem sua formação com mestrados, doutorados e outros cursos. Há inúmeros pastores professores, advogados, psicólogos, engenheiros, filósofos, sociólogos. Também não somos intolerantes. Fomos e somos defensores da liberdade religiosa, pela qual fomos também responsáveis por sua inscrição na constituição.

Portanto, quando o termo 'evangélicos' é usado para nomear a autoria de uma suposta tentativa de invasão de um terreiro, em Olinda, isso é muito genérico e incita o preconceito tanto quanto qualquer fanático possa fazer em relação ao candomblé. Igrejas evangélicas não fariam algo assim. Cristãos que somos, cremos em um único Deus, e em Jesus Cristo como o próprio Deus encarnado, morto e ressuscitado, para que fôssemos remidos de nossos pecados. Cremos que todos devem ouvir estas boas novas, mas tal pregação e a sua aceitação não pode ser pela força nem imposta. Respeitamos e nos batemos vigorosamente pelo direito individual de liberdade de religião. Defendemos a separação entre Estado e Igreja e não somos adeptos de Estados teocráticos. Criar manchetes assim é cometer o mesmo erro que os dirigentes de terreiros reclamam que incide contra si, quando afirmam que é injusto atribuir os recentes assassinatos de crianças aqui e alhures, a pessoas que seriam pais de santo. De acordo com eles, isso promove a intolerância e a violência contra os terreiros e estão mesmo a exigir que a polícia não trate os assassinos por ‘pais de santo’, para evitar tal associação. Ora, os depoimentos sobre o caso do terreiro, feitos pelos líderes de candomblé aos jornais, tomaram o todo pela parte, e acusaram ‘os evangélicos’ de atentarem contra a liberdade religiosa. 

Sobre as matérias na imprensa, não ouve informação sobre 'o outro lado'. Além de não especificar qual a igreja que, segundo o pai de santo, teria feito a passeata ao terreiro, os leitores restaram sem saber quem eram os líderes do grupo e sua explicação para o que ocorreu. Mas, há algo mais sério. As notícias não condizem com as imagens do vídeo que lhe serve de base, onde não se vê ninguém invadindo ou atacando alguém no terreiro. Se houve um ataque físico ou discursivo, isto não está no trecho que foi divulgado. Ainda há tempo, entretanto, de restabelecer o contraditório, ouvir as outras partes, examinar tudo com calma e fugir do lugar comum do 'evangélico intolerante'. Ainda há tempo de denunciar o excesso de quem quer que tenha cometido abuso ou violência, de denunciar qualquer violação de direitos individuais ou religiosos, e fazer uma cobertura sem vitimizações e sem a eleição prévia de heróis.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

80 anos da Liga Eleitoral Católica, artigo meu no Diário de Pernambuco


A república foi proclamada em 1889 e trouxe um reposicionamento das relações entre a Igreja Católica e o Estado. Um decreto de janeiro de 1890 separou os dois através de diversas prescrições legais. O casamento e o registro de nascimento civil foram criados, os cemitérios passaram a ser administrados pelas prefeituras, as escolas religiosas eram livres, mas o ensino nas escolas públicas seria laico. Mesmo que muito presente no cotidiano social, a redução da influência política foi patente para a Igreja, que sofreu ainda com a sua falta de unidade nacional, pois não havia organismos que articulassem a ação das dioceses em nível nacional. A CNBB só seria criada em 1952, com a participação decisiva do então jovem bispo Dom Hélder Câmara.
Na década de 1920, o grande artífice da reação da Igreja foi o cardeal do Rio de Janeiro, Dom Sebastião Leme. O cardeal deu uma feição minimamente nacional à Igreja Católica e criou as condições para a sua presença mais organizada no ambiente republicano. A inauguração do Cristo Redentor em 1931 foi um marco nesse processo. A cerimônia contou com a presença da maioria dos bispos do Brasil e, o mais importante, com Vargas e o seu ministério presentes, perfilados, ouvindo a pregação do cardeal que, fazendo juz a seu nome, dava rumo à Igreja Católica nesses novos tempos. Sobre a participação política, Dom Leme sempre recusou a ideia de criar um partido católico, como pensava o influente intelectual Jackson de Figueiredo. A influência da Igreja deveria ocorrer, na opinião dos bispos, pela formação de líderes comprometidos com o ideário católico, que ocupassem funções públicas.
Em 1932, Vargas promulgou o novo Código Eleitoral, que previa o voto secreto, a criação da Justiça Eleitoral, o fim do voto distrital e o voto feminino. Agora, a estratégia traçada por Dom Leme começaria a dar resultados. Além da pressão das mulheres e seus movimentos sufragistas, os bispos também pressionaram pela adoção do voto amplo feminino. O clero compreendia que as mulheres eram mais próximas da influência da Igreja e mais dispostas a votar em candidatos com ela identificados. Ainda em 1932, Vargas convocou eleições para a assembleia constituinte. Os bispos estimularam, então, a organização da Liga Eleitoral Católica (LEC), que elaborou uma plataforma mínima de princípios a serem apresentados aos candidatos que pretendessem o apoio da Igreja. Apenas a partir do comprometimento com tais princípios, haveria a recomendação de voto aos fiéis.
Em essência, a LEC queria o compromisso de que o parlamentar não apoiaria projetos que favorecessem a dissolução do casamento, que impedissem a assistência religiosa em hospitais e nas forças militares, liberdade para as escolas religiosas, ensino religioso na escola pública e que o Estado instituísse mecanismos de proteção social para o trabalhador, defendidos desde a proclamação da Rerum Novarum pelo papa Leão XIII. A LEC estruturou-se e disseminou suas atividades pelo país, mobilizando o eleitorado e difundindo seu programa. Elegeu parlamentares e conseguiu aprovar ou vetar para a constituição de 1934 todas as suas propostas, incluindo as questões sociais, que seriam incorporados pelo trabalhismo varguista. A Liga foi uma estratégia vitoriosa que repôs a igreja no centro do debate político pelas próximas décadas.