quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Os viadutos da Av. Agamenon Magalhães e a Igreja Batista da Capunga. Artigo meu no Diário de Pernambuco



Governadores e prefeitos que governaram movidos apenas pela frieza dos números nunca tiveram uma boa relação com o patrimônio histórico. O Recife já assistiu a várias reformas urbanas promovidas em nome do progresso, mas ao preço da destruição de exemplares significativos do patrimônio que testemunha o passado de sua gente. Mas, foram reformas que logo se tornaram inócuas, posto que em curtíssimo prazo suas benesses eram tragadas pela velocidade da mesma modernização que pretendiam enfrentar. Na década de 1910, a reforma do porto demoliu mais de uma centena de prédios em várias ruas próximas à atual Praça Barão do Rio Branco, o Marco Zero, incluindo a Igreja do Corpo Santo e os arcos de entrada da cidade. Em 1944, sob a ditadura do Estado Novo e da mística dos ‘prefeitos-técnicos’, a abertura da Avenida Guararapes fez tombar a Igreja do Paraíso. Na década de 1970, o prefeito nomeado, Augusto Lucena, promoveu a demolição da Igreja dos Martírios, referência cultural para a comunidade negra e a história da escravidão. No templo, congregaram-se negros e pardos desde o século 18 e nele se reuniram abolicionistas nos oitocentos.
Novamente, a cidade se depara com a necessidade de reformas que deem conta de soluções para os problemas de transporte. A cidade e a economia cresceram, a população multiplicou. Ninguém desconhece os problemas das grandes metrópoles. Mas, não mais que de repente, o governo estadual descobriu a solução para todos os males do trânsito: construir viadutos em todos os lugares é o mantra do momento. É uma ideia que parece resolver o caos do trânsito, além de ser uma obra bem visível, que dá a impressão de se ter um governo operoso, além de produzir excelentes imagens para as eleições. Entretanto, no caminho dos viadutos propostos para a Av. Agamenon Magalhães está o conjunto paisagístico do Parque Amorim, composto pelo Clube Português, pela Igreja Batista da Capunga, e uma área comercial e residencial densamente ocupada.
O belíssimo prédio da Igreja Batista da Capunga, construído na década de 1930 e é uma testemunha da riquíssima história do protestantismo de missão em terras pernambucanas e do povo batista em particular. A desinformação sobre os detalhes técnicos do projeto impõe a severa dúvida sobre o destino não apenas do templo, mas também do Clube Português, importante marco cultural para a colônia lusitana em Recife. Além das perdas culturais advindas da possível demolição destes monumentos, há os materiais, de quem terá sua residência obstruída pelas alças e pelo concreto dos elevados, acrescentando-se ainda, que os espaços de convivência da região serão reduzidos a quase nada, tal qual ocorre no entorno dos outros viadutos existentes na Agamenon. Diversos cidadãos, empresas, engenheiros, e organizações sociais já se mostraram insatisfeitos com o projeto e tentam discutir alternativas com o governo.
Não deixa de ser irônico que, justamente em Pernambuco, onde sucessivos governantes inflam o sentimento nativista, qualquer projeto modernizador baste para destruir o patrimônio histórico da cidade. Martins de Barros, Antonio Novais Filho, Augusto Lucena foram prefeitos que conduziram reformas urbanas em que a história da cidade foi posta ao rés do chão em nome da modernidade. Em suas épocas, podem ter parecido vitoriosos, mas a história, esta que lembra o que outros querem esquecer, retoma sempre os seus nomes.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Voto nulo, protesto inútil. Artigo meu no Diário de Pernambuco de hoje.

 
Há quem pense que se a maioria dos eleitores tomasse a decisão de anular o voto, a própria eleição seria cancelada. Isso parte de uma leitura equivocada do artigo 224 do Código Eleitoral, onde está escrito que “Se a nulidade atingir mais da metade dos votos para presidente, governador ou prefeito, será marcado um novo pleito”. Tais nulidades referem-se, entretanto, a problemas ocorridos com o próprio processo de votação e não a decisão individual do eleitor em anular ou deixar o seu voto em branco.

Assim, o Código Eleitoral estipula nos artigos 220 e 221 os vícios que podem tornar os votos nulos em sua totalidade, tais como mesas coletoras de votos que não foram devidamente nomeadas pelo juiz, captação de voto de eleitor não registrado na seção, violação do sigilo do sufrágio, realização da votação em dia diferente do determinado pela lei ou encerrada antes do horário. Tais erros implicam na anulação incondicional da votação da respectiva seção ou zona eleitoral onde tiveram vez e não são passíveis de correção, mesmo que as partes que disputam a eleição concordassem em fazer algo para corrigi-los. Outras hipóteses de nulidade tratam da ocorrência de falsidade, de fraude, de coação, ou ainda, o emprego de formas de propaganda ou captação de sufrágios vedados por lei. Se mais da metade dos votos do município, estado ou país (de acordo com o âmbito da eleição) for viciado por tais fraudes, a eleição é anulada e será convocado outro pleito pelo Tribunal Eleitoral dentro do prazo de 20 a 40 dias. As hipóteses de nulidade não tratam, portanto, da decisão íntima do eleitor em abster-se da escolha de quem quer que seja e anular, por conseguinte, o seu voto.

Dessa forma, os votos nulos e brancos não são considerados na apuração final da eleição, que considera apenas os votos válidos, isso é, aqueles efetivamente atribuídos a algum dos candidatos ou partido, menos os nulos e os brancos. Isso vale tanto para a escolha do executivo quanto do legislativo. A indignação que leva à anulação individual do voto não se torna uma forma eficaz de protesto porque reduz o número mínimo de votos necessários para que um partido ou coligação vença o pleito ou eleja um parlamentar, o que facilita a vida dos péssimos políticos. Na escolha de vereadores e deputados, esse mínimo de votos chama-se “quociente eleitoral” e é obtido pela divisão dos votos válidos pelo número de vagas no parlamento. Quanto maior o número de votos nulos e brancos, menor o quociente, isto é, menor o número de votos para que um candidato se eleja. Vejamos, pois. Em uma cidade com 100 mil eleitores e dez vagas na Câmara Municipal, 80 mil comparecem às eleições. Destes, dez mil anulam ou deixam o voto em branco, restando 70 mil votos válidos. O quociente seria neste caso, sete mil votos. A cada montante desse que, um partido ou coligação obtenha, elege um vereador. Agora, imagine que 30 mil anularam ou deixaram seus votos em branco, e teríamos, então, 50 mil votos válidos, reduzindo o quociente a apenas cinco mil votos.

Assim, o cidadão que anulou seu voto, viu seu protesto esvair-se em meio ao nada. Ao contrário. Acompanhar a atuação do parlamentar e fazê-lo saber de nossas opiniões acerca de votações e discussões importantes, ainda é um meio bastante mais eficaz de aperfeiçoar a democracia. Por mais que os tempos atuais nos digam o contrário.