terça-feira, 18 de junho de 2013

UMA PRIMAVERA BRASILEIRA OU UM INVERNO DA POLÍTICA TRADICIONAL?


Sob as regras da política convencional, o plano tinha tudo para dar certo. A presidente da República adiou o aumento do preço das passagens de janeiro para junho, reduziu impostos do setor de transporte, alguns municípios fizeram até pequenas reduções no valor da tarifa. Os protestos de praxe se anunciaram, mas, afinal, também haveria o início da Copa das Confederações, cujo tom da cobertura poderia ser maior que as vozes dos grupos habituais de protestos. Mas, de repente, tudo parece que saiu do controle. Ao anúncio de um aumento de R$ 0,20 na tarifa de São Paulo, grupos de estudantes e jovens mobilizando-se pelas redes sociais marcharam contra o aumento, a PM impediu o trajeto com bombas, gás lacrimogênio, balas de borracha, com o saldo de repórteres e manifestantes feridos. A imprensa internacional descobriu uma nova pauta para além da Copa, quem sabe uma possível ‘Primavera Brasileira’, e, aos primeiros protestos, seguem-se novos, agora reivindicando pontos tão díspares quanto tarifa zero no transporte público, recursos para saúde e educação no lugar de grandes estádios de futebol, e mesmo, uma nova relação nos níveis de representação política, pois, na onda do momento, “os políticos que ‘estão aí’, não nos representam”. 

Há, sem dúvida, algo de novo nestes protestos. Não são conduzidos por nenhuma das lideranças ou instituições tradicionais da política ou dos estudantes, embora se encontrem bandeiras de partidos mais à esquerda no espectro político. Nada de faixas da UNE ou de partidos tradicionais. Os participantes, parecem pertencer a uma nova geração que cresceu distante dos canais institucionais de representação e negociação política, cujos instrumentos de diálogo são exatamente as instituições, isto é, os partidos, as associações, os sindicatos, as entidades de classe. É o modo de fazer política clássico dos regimes democráticos, em que os indivíduos agrupam-se em organismos que passam a representá-los. Até mesmo a ‘revolução’ seria feita através destas instituições, no caso, os sindicatos ou o partido. As pessoas filiavam-se a um grupo e constituíam uma direção, que passava a conduzir os seus representados, comunicando-se através de plataformas físicas e fixas, como jornais, boletins e assembleias. Esta ação política tradicional apresenta sinais de esgotamento.

O caos urbano é apenas uma dimensão, talvez a menor, dos atuais protestos. Muito mais grave é que as instituições não consigam captar, conduzir, negociar e estabelecer um pacto social. A falência das grandes utopias, uma geração que mescla o desejo de mudanças sociais, mas não aceita submeter-se à autocracia de uma ideologia ou de um partido que suprima sua condição de indivíduo; uma geração inteira de brasileiros cresceu sob o silêncio e à margem da política institucional, cujos filhos, hoje, não se sentem representados por ‘suas excelências’, que aliás, insistem em dar motivos para o descrédito da sociedade em relação a eles. O surgimento de novas plataformas de comunicação, marcadas pela velocidade e pelo tempo real, a internet, as redes sociais, que conectam ponto-a-ponto os manifestantes, provocando a sensação de que são simultaneamente os partícipes e os líderes de si. Nada de receber clandestinamente um panfleto para distribuir na porta da escola, cumprindo uma ‘tarefa’ dada pela direção do movimento. Pouquíssimos leram Marx, mas muitos assistiram ao filme “V de vingança”, cuja máscara do líder rebelde dá o tom das manifestações. São anônimos, são a multidão. A cena final deste filme, aliás, apresenta uma multidão enfrentando a polícia de uma Londres que é governada por autocratas. São uma multidão de indivíduos que usam a mesma máscara de sorriso debochado. A força das reivindicações individuais está no anonimato da multidão.

Esta não é, entretanto, a primeira vez que o povo faz política por fora dos mecanismos institucionais. Durante a Primeira República, a maior parte da população estava excluída do fazer tradicional da política. As guerras de Canudos e do Contestado; a Revolta da Vacina; ou a Revolta da Chibata, liderada por João Cândido. São todos estes, expressões de uma insatisfação que não era captada pela elite política do país. A Revolução de 1930 implementou uma série de reformas políticas e criou uma linguagem política e institucional, principalmente o Trabalhismo, de Getúlio Vargas, que absorveu e encaminhou parte considerável dos conflitos sociais, por bastante tempo. Próximos ao centenário daquela revolução, estamos diante de um certo esgotamento desta linguagem política. Ironicamente, isso ocorre no auge de um ciclo no qual as questões sociais foram alvo de diversas políticas públicas. É um novo protagonismo social que não é exclusivo do Brasil, mas ganhou visibilidade agora e assume ares de um enigma que tem forças para devorar o próprio governo, se não for desvelado a contento.