quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Os 100 anos de Rachel de Queiroz.


Quando deitou de bruços no chão da sala de casa para escrever O Quinze sob a luz de um lampião, Rachel de Queiroz já conhecia o melhor da literatura mundial. Filha de intelectuais e gente que lia muito, riscou as páginas do caderno com algumas certezas. Uma delas era não escrever bobagens, "sentimentalismos". A censura da família seria implacável. Afinal, foi a mãe quem tirou das mãos da menina um romance francês água-com-açúcar e tratou de substituí-lo por A cidade e as serras, de Eça de Queiroz. Rachel estava com 12 anos quando a mãe tomou a providência. Aos 19, escreveu O Quinze e surpreendeu o país com um texto maduro, perfeitamente condizente com os ideais modernistas da literatura brasileira dos anos 1920, seco e conciso.

Foto: Eder Chiodetto/FolhapressNascida há exatos 100 anos, em 17 de novembro de 1910, Rachel não tinha ideia da importância do romance escrito para passar o tempo durante um repouso por conta de uma congestão pulmonar. O Quinze se tornaria o primeiro texto modernista brasileiro assinado por uma mulher. Seria celebrado por Mario de Andrade, Manuel Bandeira e toda a trupe moderna. E daria início ao fenômeno editorial que, ainda hoje, perdura por aí. Para aproveitar a efeméride do centenário, as editoras José Olympio e Demócrito Rocha, o Instituto Moreira Salles (IMS) e a Academia Brasileira de Letras (ABL) publicam biografias, ensaios e textos inéditos da menina de Quixadá, além de reedições e exposições.

LEIA A MATÉRIA COMPLETA NO DIÁRIO DE PERNAMBUCO DE HOJE.

domingo, 7 de novembro de 2010

Tânia Bacelar em entrevista ao Diário de Pernambuco: "Há uma imagem deformada do Nordeste".


A professora Tânia Bacelar nem imaginava. Mas, ao escrever o artigo ´O voto do Nordeste: para além do preconceito`, publicado na revista Nordeste e reproduzido por uma infinidade de blogs Brasil afora, antecipou uma resposta - e que resposta - à velha tese que motivou uma nova onda de ataques aos nascidos na área compreendida entre o Maranhão e a Bahia. O texto rebate com fatos e análises o conceito preconcebido de que os nordestinos são um peso para o país e que Dilma Rousseff (PT) só foi eleita presidente porque os eleitores da região votaram em troca do Bolsa Família.

Nesta entrevista, Bacelar, doutora em economia e docente do departamento de Geografia da UFPE, aprofunda sua avaliação sobre os números das eleições no Nordeste. Diz que nos últimos oito anos, a região passou a receber investimentos em áreas estratégicas e que o resultado dessa ´atenção`, é crescimento, movimentação da economia, emprego, oportunidades.

O seu artigo responde à manifestação que ocupou o Twitter na semana passada sugerindo morte aos nordestinos por conta da vitória de Dilma. Como a senhora avalia essa situação?

Acho que esse debate reflete que existe um preconceito realmente e que há uma imagem deformada do Nordeste, principalmente no Sudeste e no Sul. Uma imagem de que o Nordeste é uma região de miséria, que é uma carga, como se não tivesse potencialidades. Isso reflete, primeiro, o desconhecimento da história do país. O Nordeste é o lastro econômico, cultural e político do Brasil. Mas num determinado momento dessa história, os investimentos e a dinâmica se concentraram no Sudeste e o Nordeste perdeu o trem da industrialização lá no século 20.

Quais perdas o país pode ter com posturas desse tipo?

A gente pode perder um dos aspectos pelos quais o país é admirado. Quem já viveu no exterior sabe que uma das características que tornam a nossa sociedade admirada lá fora é a capacidade de conviver com a diferença.

Em que áreas estão os potenciais do Nordeste?

O governo federal retomou o crescimento das universidades públicas. Fez quatro universidades na região. Cidades médias, como Petrolina (PE) e Mossoró (RN), não tinham universidades públicas. As pessoas têm potencial para se desenvolver, mas não têm oferta de oportunidade. Acho que a gente deve discutir onde devemos colocar os novos investimentos e o Nordeste já mostrou que pode dar uma resposta positiva com o pouquinho de mudança que já aconteceu nessa década. É errado achar que tudo o que é defesa de São Paulo é defesa do Brasil e tudo o que é defesa de qualquer outro lugar é ´defesinha` regional. São Paulo é muito importante mas não representa o Brasil. O Brasil é muito mais. A gente precisa balizar melhor esse debate sem deixar de reconhecer a importância de São Paulo. Mas não podemos caricaturar os outros de ser peso, de não ter com que contribuir.

O presidente Lula foi corajoso ao mudar o foco dos investimentos?

Lula teve um atributo muito interessante. Perdeu várias eleições, levou muito tempo se preparando para ser presidente do país e fez as tais caravanas. Eu atribuo essa leitura que ele tem do Brasil à chance que ele teve de conhecer profundamente o Brasil inteiro. Isso muda a cabeça.

Quem votou em Dilma aposta na continuidade do governo. Pelos discursos proferidos até agora por ela a senhora acredita que as políticas de investimento no Nordeste serão mantidas?

Tenho me surpreendido positivamente com ela. Por exemplo, o discurso feito no momento em que ela recebeu a notícia que tinha vencido, considero muito bom. Ela começa falando das mulheres, depois assume o compromisso com a eliminação da pobreza extrema. Diz também ter compromisso com os pequenos empreendedores do Brasil e assume isso. Achei muito bonito, depois de falar da erradicação da miséria, ela ter se lembrado dos pequenos empreendedores. O Nordeste está cheio deles.

As oligarquias deram sua contribuição para o enraizamento desse preconceito, não?

Parte da explicação vem das oligarquias. Para as antigas, ainda bem que elasestão morrendo e perdendo eleitoralmente. Os resultados dessa eleição são um novo baque. É importante lembrar que elas não só existem no Nordeste. Santa Catarina é um ´brilho` de oligarquias. No discurso delas não interessava mostrar potencial. Porque elas se locupletavam da miséria. O discurso reproduzia a miséria. Elas ajudaram a criar o preconceito.

OUÇA A ENTREVISTA NO SÍTIO DO DIÁRIO DE PERNAMBUCO.

LEIA O ARTIGO 'O VOTO DO NORDESTE' NO SITIO DA CARTA CAPITAL.

Programa Consensus debate o Estatuto da Igualdade Racial e o dia da consciência negra.


Hoje à noite estaremos eu e o pr. André Lucena no Programa Consensus, na Rede Estação, canal 14, às 21:30 h, em um debate sobre o dia da consciência negra e o Estatuto da Igualdade Racial. O programa é dirigido pelo pr. Roberval Goes. O reverendo André é advogado e foi candidato a deputado federal pelo PV.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Livro 'Pontes e idéias - um engenheiro fourierista no Brasil', que inclui o Diário de Valthier, será lançado hoje, no Teatro Santa Isabel.


Uma página da história do século 19 será concluída hoje, no Recife. É o lançamento do livro Pontes e ideias - Louis-Léger Vauthier, um engenheiro fourierista no Brasil, da professora Claudia Poncioni. Fruto de pesquisas que a autora empreende na França e no Brasil desde 2004, a obra traz para os dias de hoje um personagem que viveu no Recife de 1840 a 1846 e morreu em Paris, em 1901. O livro completa e amplia os trabalhos pioneiros de Gilberto Freyre, Diário íntimo do engenheiro Vauthier, 1840-1846 (lançado em 1940) e Um engenheiro francês no Brasil (1960).

Vauthier viveu no Recife de 1840 a 1846, época em que fez o projeto do Teatro de Santa Isabel e realizou uma série de obras e ações nas áreas de arquitetura, urbanismo e administração pública. Formado pela École des Ponts et Chaussées, tradicional escola de formação de engenheiros na França, foi contratado pelo presidente de província de Pernambuco, Francisco de Rego Barros, o então Barão da Boa Vista. Doisanos após sua chegada tornou-se chefe da Repartição de Obras Públicas, com amplos poderes sobre todas as obras executadas em Pernambuco - para os dias atuais seria uma espécie de supersecretário de infraestrutura. Entre outras coisas foi responsável pela construção de estradas e pontes, formulação da primeira planta do Recife e elaboração de um projeto urbano destinado a servir de base ao plano diretor da cidade. Em Pernambuco Vauthier também foi pioneiro na introdução de autores do chamado socialismo romântico, pré-marxista, trazendo para cá obras de pensadores como Charles Fourrier (1772-1837).

"A marca que o francês deixou foi de tal porte", afirma Claudia Poncioni, "que hoje é voz corrente no Recife dizer que, depois de Maurício de Nassau, Vauthier foi o estrangeiro que mais influenciou a capital pernambucana". Poncioni nasceu no Rio de Janeiro e hoje é professora do departamento de Estudos Lusófonos da Universidade Sorbonne Nouvelle, na França. O livro que ela lança agora no Recife foi publicado ano passado, na França, pela Michel Houdiard éditeur, com 491 páginas. A edição brasileira é da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) e tem 559 páginas.

O título do livro inspira-se em definição de Freyre, que chamou Vauthier de "engenheiro de pontes e ideias", responsável pela transmissão de técnicas de engenharia e arquitetura, mas também de doutrinas. Estabelecer pontes para a transmissão de ideias foi também uma tarefa desempenhada pela própria Poncioni, que entre a França e o Brasil esteve à frente de ampla mobilização para tirar Vauthier do esquecimento.

Contou para isso com o apoio de instituições e estudiosos. Entre as pessoas que contribuíram para sua pesquisa estão Guillaume Saquet, documentalista da École des Ponts et Chaussées, em Paris, e Georges Orsoni. Juntamente com a autora eles classificaram mais de 2.500 documentos sobre Vauthier, existentes em microfilmes e microfichas, fotografias digitais, livros, manuscritos, recortes de jornal, sites e páginas de internet. O Diario de Pernambuco também participou deste movimento, publicando dois cadernos especiais sobre o engenheiro francês: "A história que a França desconhece e o Brasil esqueceu", de 13 de outubro de 2005, e "Vauthier em Paris", de 3 de janeiro de 2010. Poncioni menciona no livro a contribuição do Diario e reproduz uma das páginas do jornal sobre Vauthier.

Pontes e ideias é composto de três partes: a primeira traz os diários que Vauthier escreveu no Recife e o ensaio "Casas de residência no Brasil", também de autoria dele e hoje bibliografia indispensável para quem estuda a arquitetura brasileira do século 19. Os dois textos têm notas explicativas escritas por Poncioni; a segunda compõe-se de um capítulo biográfico dele e de toda sua produção intelectual catalogada; e a terceira parte traz textos e notas de Gilberto Freyre publicados nas edições da obra dele de 1940 e 1960.

O capitulo "Notas para uma biografia", que consta da segunda parte do livro de Claudia Poncioni, tem 71 páginas que refazem toda a trajetória de Vauthier antes de vir para o Recife e depois do seu retorno para a França, em 1846 - dois períodos que não constavam dos estudos de Freyre. Ao retornar para a França ele teve uma vida marcada por peripécias: foi eleito deputado, envolveu-se num levante contra o presidente (e mais tarde imperador) Luís Bonaparte, foi preso (passou cinco anos na prisão), cassado, exilado e voltou a França só em 1861. Elegeu-se vereador em Paris (renovando seguidamente o mandato de 1871 até 1887) e concorreu (sem sucesso) ao Senado. "Notas para uma biografia" é um capítulo que está pedindo para ser ampliado e virar livro autônomo - trabalho que a autora e seus pesquisadores têm todos os requisitos para executar.

Serviço

Lançamento: Pontes e ideias: Louis-Léger Vauthier, um engenheiro fourierista no Brasil (Cepe),de Claudia Poncioni
Quando: Hoje, às 19h
Onde: Teatro de Santa Isabe
Quanto: R$ 60 (livro)

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Eleição legislativa nos EUA abre corrida presidencial


Em período de baixa aprovação do presidente, urnas definem hoje a nova composição da Câmara - onde os democratas devem perder a maioria que conquistaram em 2008 -, a renovação de um terço do Senado e os governadores de 39 Estados e territórios americanos

O resultado da eleição legislativa de hoje nos EUA deve abrir a disputa pela Casa Branca em 2012. Apesar dos rumores da candidatura alternativa da secretária de Estado, Hillary Clinton, pelo Partido Democrata, o presidente americano, Barack Obama, já se lançou à reeleição. Provável vitorioso na eleição de hoje, o Partido Republicano vê-se em vantagem em relação a 2008.

Mas está dividido. Pelo menos seis pré-candidatos concorrem com a líder do movimento ultraconservador Tea Party, Sarah Palin, pela indicação da legenda.

A eleição de hoje envolve a escolha de todas as 435 cadeiras da Câmara e 37 das 100 vagas do Senado. Além disso, os eleitores de 38 Estados escolherão seus governadores. Os democratas sairão em desvantagem do pleito. Na Câmara, perderão de 50 a 60 cadeiras para os republicanos, que assumirão a presidência da Casa, segundo o instituto Cook Political Report.

O partido de Obama seguramente manterá sua maioria no Senado, Casa controladora das políticas comercial, de defesa e econômica dos EUA. Mas sua presença será reduzida pelas seis a oito cadeiras que passarão a ser ocupadas por republicanos. Hoje no controle de 26 dos 50 governos estaduais, os democratas perderão essa maioria para os republicanos, que tenderão a expandir sua liderança em entre seis e oito Estados.

Durante a campanha, Obama saiu tardiamente em defesa dos candidatos de seu partido, a partir da segunda semana de setembro. Sua movimentação pelo país incluiu discursos em universidades e conversas com vizinhos em quintais de famílias da classe média. Mas a aprovação de Obama, de 45%, continua abaixo da desaprovação, de 47%, segundo o Instituto Gallup. Para um alto funcionário do governo americano, o cenário desfavorável a Obama é apenas momentâneo. "Com as eleições de 2010, o presidente perde no curto prazo. Mas certamente ganhará no longo prazo, com a recuperação da economia e a saída das tropas do Afeganistão", afirmou.

No início de outubro, surgiram rumores em Washington sobre a possível candidatura em 2012 da secretária de Estado, Hillary Clinton. Em 2008, a ex-senadora perdeu a indicação do Partido Democrata para Obama. A Casa Branca desmentiu. Hillary distanciou-se dos comícios. Mas o ex-presidente Bill Clinton, seu marido, saiu em defesa de candidaturas democratas no último mês da campanha. "Hoje, ninguém pode ter a certeza de vencer as primárias dos partidos em 2012", afirmou Michael Barone, analista político conservador. Segundo ele, a incerteza sobre a candidatura republicana será mais corrosiva que no caso dos democratas. Boa parte dos líderes republicanos tentará barrar o projeto de eleição presidencial de Sarah Palin.

Embora não concorra na votação de hoje, Palin foi uma das figuras mais atuantes na defesa das candidaturas republicanas e sairá fortalecida pela exposição pública. Mas sua candidatura pode semear a discórdia no partido. Muitos republicanos creem que ela afastaria parte dos eleitores independentes e beneficiaria Obama.

"Há um sentimento negativo entre os líderes republicanos sobre Sarah Palin. Ela é vista como uma política não qualificada para concorrer à presidência. Muitos tentarão formar coalizões para derrotá-la nas primárias do partido", afirmou Barone.

Para a eleição de hoje, os republicanos conseguiram reverter sua tradicional desvantagem, em relação aos democratas, na arrecadação de recursos. Além do fundo do Comitê Nacional Republicano, estruturas paralelas foram criadas para captar doações, financiar a eleição de 2010 e preparar o terreno para 2012. Karl Rove e Ed Gillespie, ex-conselheiros de George W. Bush, criaram o American Crossroad. Outro grupo similar é o Crossroad GPS. Segundo The New York Times, ambos angariaram um total de US$ 50 milhões. Passadas as eleições, as duas máquinas farão propaganda contra os projetos a ser enviados por Obama ao Congresso.

PARA ENTENDER


A cada dois anos, os americanos vão às urnas para eleger os 435 deputados da Câmara e um terço do Senado (37 das 100 vagas). Outros 39 Estados e territórios escolherão novos governadores. A eleição de hoje pode condenar o presidente Barack Obama a seus dois últimos anos de mandato sem o atual conforto da maioria no Congresso e emperrar a aprovação de projetos importantes.

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segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Dilma se elegeria mesmo sem os votos do Norte e do Nordeste. As duas regiões apenas aumentaram a diferença.


Pessoas descontentes com a eleição da petista Dilma Rousseff atribuíram aos eleitores da região Nordeste peso decisivo no resultado do segundo turno, neste domingo (31). Porém, os nordestinos apenas aumentaram a vantagem que a futura presidente obteve no resto do País. Considerando apenas Norte, Centro-Oeste, Sul e Sudeste, ela somou 1.873.507 votos a mais do que o tucano José Serra.

E, antes que novos discursos discriminatórios - canalizados contra o Nordeste na internet - se direcionem a outro alvo fácil, o Norte, vale destacar que Dilma também ganharia a eleição sem o saldo positivo de 1.033.802 votos com que os nortistas lhe agraciaram.

O Sudeste, idealizado pelos críticos de nordestinos e nortistas como bastião do PSDB, deu à petista 1.630.614 eleitores a mais do que seu adversário. Esta quantidade supera em 839.695 votos a soma das vantagens que Serra teve no Sul, 656.485, e no Centro-Oeste, 134.434.

TERRA MAGAZINE

Embora o candidato tucano tenha acumulado 1.846.036 votos a mais do que Dilma em São Paulo, ele perdeu no segundo e no terceiro maiores colégios eleitorais do País, Minas Gerais e Rio de Janeiro, respectivamente com saldo negativo de 1.797.831 e 1.710.186.

Dilma passa um pito na Globo e dá a sua primeira entrevista como presidente eleita para a Rede Record.

Dilmasterix

Lula e Dilma, FHC e Serra: 'colheram o que plantaram", por Kennedy Alencar.

Apesar de alguns erros derivados de certa soberba e de percalços sobre os quais não teve controle, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva executou com sucesso uma estratégia que traçou no começo do segundo mandato: eleger Dilma Rousseff como sucessora.

Foram eixos da estratégia não cair na tentação do terceiro mandato e apostar num plebiscito sobre os seus oito anos de governo contra os oito anos de Fernando Henrique Cardoso.

Enquanto a oposição e parte da imprensa acreditavam que Lula queria o terceiro mandato e fazia jogo de cena para esperar o melhor momento de mudar a Constituição, Dilma Rousseff ficou livre para aparecer nas vitrines positivas do governo. Se ela tivesse sido apontada candidata lá atrás, auxiliares como Erenice Guerra teriam entrado bem antes na alça de mira.

No entanto, dando o devido crédito ao chefe, Dilma ficou livre para ter o controle de todas as bandeiras positivas do governo, como conduzir as mudança da lei para explorar o pré-sal, gerenciar o programa de habitação "Minha Casa, Minha Vida" e virar a "mãe" do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

No teste de fogo da crise internacional de 2008/2009, Lula foi aprovado. Esse teste foi bem mais duro do que o rigoroso ajuste fiscal e monetário de 2003. A oposição cobrava de Lula capacidade de gerenciar a crise. E ele foi bem. Fez um rápido e certeiro diagnóstico da crise financeira internacional e de como o Brasil deveria enfrentá-la. O maior acerto: medidas para reforçar o mercado interno como forma de atravessar o deserto e compensar a queda da economia global.

Nessa estratégia vitoriosa, é justo registrar a importância da aliança PT-PMDB. Na crise do Senado, em 2009, a oposição tentou criar um racha na relação entre peemedebistas e petistas. A ideia era transformar o Senado, Casa na qual Lula sempre teve dificuldade, num bunker oposicionista. Mas Lula não jogou ao mar o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Em troca, obteve uma aliança formal com todo o PMDB, o que garantiu uma máquina política ainda mais expressiva no país e um tempo de propaganda no horário eleitoral gratuito para vender Dilma na hora decisiva.

O bom momento econômico favoreceu a tese de polarização PT-PSDB, apesar do susto com o desempenho de Marina Silva (PV-AC), que forçou a realização do segundo turno. Um taxa de crescimento de cerca de 7% neste ano fortaleceu a defesa do continuísmo, dando gás a uma candidata tirada do bolso do colete. No contexto econômico, destacaram-se ainda as políticas de reajuste do mínimo, de ampliação do crédito, de massificação de programas sociais e de incentivo a grandes grupos nacionais considerados estratégicos e amigos.

Os principais erros da campanha não comprometeram o resultado final, mas trouxeram muita tensão ao governo na virada do primeiro para o segundo turno. A campanha de marketing de Dilma demorou a perceber a sangria de votos com o debate sobre a legalização do aborto. Gente da cúpula dava como favas contadas uma vitória no primeiro turno quando já era evidente que uma segunda etapa seria inevitável. O próprio Lula se iludiu com sua alta taxa de popularidade. Entre os percalços sobre os quais não teve controle, o principal foi a doença de Dilma em 2009.

Obtida a vitória, há também uma importante lição: a realização do segundo turno e o percentual de votos dados a Dilma não autorizam uma atitude arrogante em relação aos adversários e à imprensa, mas isso será assunto de outra coluna.

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Ninguém ganha sozinho

Num cenário de extrema adversidade política, é surpreendente a performance de José Serra. Ele disputou a eleição contra a candidata do presidente mais popular da história recente num contexto de crescimento econômico e de transformações sociais inéditas no país. Nesse sentido, é uma derrota que não envergonha o PSDB, mas o candidato cometeu o principal erro de quem deseja conquistar a Presidência: achar que poderia se eleger sozinho.

Na primeira metade de 2009, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso selou um acordo entre Serra e o então governador de Minas Gerais, Aécio Neves. Garantidos alguns compromissos, o mineiro seria vice de Serra, que governava São Paulo naquela época.

Fiador dos compromissos, FHC testemunhou Serra rompê-los. O primeiro deles: Serra não quis participar de reuniões prévias pelo país, nas quais o PSDB ouviria seus dois pré-candidatos e depois decidiria quem disputaria o Palácio do Planalto.

Líder disparado nas pesquisas, Serra julgava a ideia uma forma de miná-lo politicamente. Mas Aécio queria uma saída para dizer ao eleitorado de Minas porque aceitaria ser vice do governador paulista. Outro compromisso era afirmar com todas as letras que, se eleito, Serra patrocinaria novas mudanças constitucionais para que Aécio fosse o próximo da fila. Pelo acordo, Serra articularia a aprovação de projetos no Congresso para acabar com a reeleição e reinstituir o mandato de cinco anos. Aécio sempre demonstrou pouca crença na capacidade de, sentado no Planalto, Serra abrir mão da possibilidade de se reeleger. Mas FHC dizia a Serra que era importante que ele se comprometesse com essas alterações a fim de tranquilizar Aécio e Minas. O final dessa história é sabido.

Entre setembro e fevereiro, a folga sobre Dilma nas pesquisas deu a Serra a ilusão de que poderia ignorar os apelos para assumir a candidatura e fazer concessões a Aécio. Ele não aceitou as cobranças do PSDB e do DEM para admitir que era candidato e montou uma estrutura de campanha centralizada e distante dos aliados.

Esticou a corda até junho para tentar obter a companhia de Aécio em sua chapa, mas estava tão fraco que não teve como enfrentar a resistência dos democratas à escolha do senador Álvaro Dias (PSDB-PR) para vice. Ao explicar as razões de aceitar o pouco conhecido deputado federal Indio da Costa (DEM-RJ) como companheiro de chapa, Serra admitiu que a questão estava encaminhada em outro sentido, mas não havia dado certo.

A biografia respeitável, a tenacidade com a qual se jogou na disputa e a assimilação de um discurso conservador que destoa de suas próprias ideias não foram suficientes para levar o tucano à vitória. Serra quis ganhar sozinho. A exemplo de Lula, colheu o que plantou.

KENNEDY ALENCAR, NO UOL NOTÍCIAS