quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Artigo meu no Diário de Pernambuco de hoje:120 anos de liberdade religiosa no Brasil


A primeira constituição da república foi promulgada em fevereiro de 1891 e marcou a separação entre o Estado e a Igreja no Brasil. Durante a Colônia e o Império, a Igreja Católica era a igreja oficial e qualquer outra fé era proibida. Desta forma, judeus foram forçados à conversão sob a marca de “cristãos-novos” e o Brasil foi concebido como uma terra a ser protegida dos ‘hereges protestantes’. Em 1808, a vinda da família real provocou uma tímida abertura, pois a crescente presença de ingleses, a maioria protestantes, levou ao reconhecimento do direito de celebrarem seus cultos religiosos. A fórmula para isso foi autorizar cultos no interior de casas sem aparência de igrejas e na língua dos celebrantes, de modo a não haver proselitismo.

Durante o século XIX, havia o agravante de que apenas os casamentos em igrejas católicas eram reconhecidos, não havendo sequer o casamento civil. Morrer também era um problema, pois os cemitérios eram administrados pelo clero e fechado aos ‘infiéis’. O imperador chegou a ceder para a Inglaterra, terrenos nas principais cidades do Brasil para a construção de campos santos, onde os protestantes poderiam ser sepultados. Tornou-se célebre em Pernambuco a polêmica travada nos jornais entre Abreu e Lima e o bispo Cardoso Ayres pelo direito de liberdade religiosa, culminando com a negação de sepultura ao general. O problema só foi resolvido porque o “Cemitério dos Ingleses” abriu-se para receber o corpo do valente Abreu e Lima, onde está até hoje como testemunha daqueles dias difíceis. O imperador também tinha o direito de nomear os bispos e as ordens papais apenas eram cumpridas no Brasil com a sua aquiescência, situação que provocou graves tensões entre o Estado e a Igreja. De fato, os bispos viviam no dilema da dupla fidelidade que precisavam manter, ao Papa e ao Rei, tendo que escolher a este último em caso de conflito.

A república separou a Igreja e o Estado. Foi criado o casamento e o registro de nascimento civis e os cemitérios passaram a ser administrados pelas prefeituras; o Estado não tinha mais uma religião oficial e inscreveu-se o direito individual de escolha de religião. É preciso lembrar que, apesar desse avanço, a cultura popular era marcada pelo enfrentamento religioso e ocorriam muitos confrontos entre católicos e adeptos das ‘seitas protestantes’. Mesmo assim, as igrejas evangélicas foram as que mais saudaram a Carta Magna de 1891, pois possuíam planos específicos de criação de campos missionários no país. Judeus e muçulmanos se sentiram igualmente contemplados, pois o início do século XX foi um momento de importantes ondas migratórias destes grupos para o Brasil. Os católicos também saudaram as mudanças porque, mesmo sem o status de religião oficial, não veriam mais a sua igreja sofrer intervenção do governante de plantão. Religiões de matrizes africanas, entretanto, demorariam muito mais a terem respeitadas tais garantias de liberdade.

Hoje, apesar da ressurgência de fundamentalistas que tentam pautar o Estado pelas reivindicações de seus grupos e promovem preconceitos contra crenças diferentes da sua, o Brasil pode se orgulhar de ser um dos poucos lugares onde encontramos em um mesmo bairro mesquitas, sinagogas, centros kardecistas, terreiros, igrejas católicas e evangélicas. E que todos passam pelas mesmas calçadas em direção a seus lugares de culto e reunião sem temer-se ou agredir-se mutuamente.

5 comentários:

  1. É meu caro professor....a liberdade não trás somente flores...Edir Macedo com sua fábrica de ganhar dinheiro universal, Renê Terra Nova, Waldomiro Santiago, Estevão Hernandes e por aí vai....rs. Mas tem nós na fita também, né?...rs. Então deixa. Ruim com ela, pior....bem pior.... sem ela....

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  2. Tem toda e total razão, Fábio. O que muita gente tem dificuldade de aceitar é que a liberdade ou é pra todo mundo ou não é para ninguém. E que, quando se restringe determinado grupo, é em última instância, uma questão de força, e amanhã, pode ser que o forte seja o que hoje foi perseguido. Portanto, o melhor é que o Estado não interfira.

    Também é importante lembrar que questões graves com certos grupos que se apresentam como religiosos dizem respeito ao engano para obtenção de lucros e vantagens financeiras. Mas para isso existe uma legislação de charlatanismo, de lavagem de dinheiro, etc. Se não é usada, é por relações políticas.

    Mas, por muito tempo essa legislação sobre charlatanismo também foi usada para perseguição, principalmente contra os espíritas, até os anos 1970.

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  3. Cláudio,
    parabéns por mais um artigo que reflete lucidez, profundidade e que nos leva à reflexão.

    Um abraço,direto de Timbaúba, feriado na Princesa Serrana, Dia da Padroeira N.S.das Dores.

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  4. Obrigado, Daslan, pelo comentário. Um grande abraço, de quem durante o dia, lembrou-se do feriado e do verso de Pessoa: "O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,/Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia".

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  5. Cláudio,

    Belíssimo resumo histórico. E gostei bastante de saber a História de Abreu e Lima.

    Parabéns,

    Dailson Fernandes
    http://www.dailson.com.br

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