RESUMO O cientista político e historiador Luiz Felipe de
Alencastro faz uma análise da vitória de François Hollande, eleito
presidente da França em 6/5, e comenta suas implicações futuras, como as
eleições legislativas, em junho, as demandas do eleitorado
ultranacionalista e a condução da relação franco-alemã no âmbito
europeu.
A eleição de François Hollande abre novas perspectivas políticas na
França, pode aplacar a crise na zona do euro e, quiçá, oferece nova
dimensão à social-democracia europeia. Para tanto, Hollande terá que
vencer vários desafios.
O primeiro concerne as eleições de 10 e 17/6, para a Assembleia
Nacional. Se os socialistas perdem, o programa governamental do novo
presidente emperra, os juros dos títulos da dívida pública francesa
disparam e a União Europeia (UE) se enterra mais ainda. Boa parte da
calma com que a eleição de Hollande foi acolhida na Europa explica-se
por um motivo bastante simples: a parada política ainda não está
decidida na França.
Como é sabido, o sistema multipartidário francês tem duas
particularidades. A primeira é o semipresidencialismo. O presidente
eleito pelo sufrágio universal é o chefe de Estado. Quem forma e dirige o
governo é o primeiro-ministro, representante da maioria parlamentar.
Se há oposição entre a maioria presidencial e a parlamentar -no jargão
político francês, "coabitação"-, o governo do país fica mais complicado.
Daí a importância do equacionamento da segunda particularidade
francesa, as legislativas em dois turnos.
No primeiro turno é eleito o candidato com a maioria absoluta dos votos
válidos do distrito eleitoral. Se isso não ocorrer, realiza-se o segundo
turno, no qual pode haver três ou quatro concorrentes a uma cadeira. Aí
muda o jogo e os partidos fazem acordos de desistência para vencer os
adversários do outro quadrante ideológico.
Considere-se o acordo entre o Partido Socialista e o Partido Verde, já
registrado em papel firmado. Se, em determinado distrito, um socialista
estiver mais bem posicionado para derrotar a direita no segundo turno, o
eventual ecologista retira sua candidatura e apoia o socialista. Num
distrito favorável ao verde, será a vez de o socialista retirar a
candidatura.
FRENTE NACIONAL A direita segue a mesma lógica, com os gaullistas
da União por um Movimento Popular (UMP) aliando-se geralmente aos
centristas e aos democratas-cristãos. Porém, o crescimento eleitoral da
extrema direita, da Frente Nacional (FN), embaralhou ainda mais as
cartas no campo conservador.
Nicolas Sarkozy ganhou no segundo turno em 2007 atraindo, sem aliança
partidária, eleitores que no primeiro turno votaram no candidato da FN,
Jean-Marie Le Pen. Na campanha recente, a tática não deu certo.
De saída, Sarkozy, bem como outros governantes europeus derrotados nos
últimos anos, sofreu um intenso desgaste com o acirramento da crise
econômica. Contudo, seu fracasso decorre também de outro motivo: a nova
estratégia da Frente Nacional.
Ao contrário de seu pai, Jean-Marie Le Pen, um ideólogo vociferante,
obcecado pela Alemanha nazista, Marine Le Pen, atual dirigente da FN,
aparece como uma política mais aceitável e sobretudo mais habilidosa.
Desde o começo da campanha, deixou claro que seu objetivo principal se
situa no "terceiro turno": eleger o maior número possível de deputados
pela chapa da FN.
No seu ponto vista, setores dissidentes da UMP poderiam fazer aliança
com a FN nas eleições de junho. Se eleger um mínimo de 20 deputados
entre os 577 membros da nova Assembleia, a FN poderá se constituir como
grupo parlamentar autônomo, ganhando bastante peso político.
Seguindo o princípio definido por Charles de Gaulle (1890-1970) e
reafirmado por Jacques Chirac nos anos 1980, os gaullistas excluem
alianças com a extrema direita em todas as instâncias eleitorais.
Tal é a razão que bloqueou até agora a eleição de deputados da FN
-apesar do número elevado de votos nas eleições presidenciais, o partido
não tem nenhuma cadeira na Assembleia Nacional.
Sarkozy, porém, aproximou-se das teses da FN, questionando a abertura
das fronteiras entre os países da UE e insistindo na alegada correlação
entre imigração e criminalidade. Ao levantar as ambiguidades da campanha
sarkozysta, a UMP reiterou seu veto à aliança com a FN.
Segundo o secretário-geral da UMP, Jean-François Copé, "não haverá
aliança eleitoral nem negociação com os dirigentes da Frente Nacional". A
declaração mostra que os gaullistas e os conservadores mais moderados
se impuseram à direção da UMP. Tal evolução fez baixar as tensões
políticas.
Além disso, há uma tradição republicana que facilita a tarefa de
Hollande: sempre que um novo presidente é eleito, os franceses elegem
uma maioria de deputados da mesma tendência política.
Uma pesquisa recente indica que 61% dos franceses preferem que mais
deputados eleitos em junho proporcionem uma maioria favorável a
Hollande, entendendo que ele deve dispor de meios políticos e
institucionais para governar.
alemanha Qual será então a política de Hollande? Aqui se situa o segundo
problema do presidente eleito: como gerir a França e as relações
franco-alemãs?
Na verdade, a imbricação da vida política dos dois países é constante
desde a reconciliação pilotada por De Gaulle e Konrad Adenauer
(1876-1967) em 1963.
Depois da reunificação alemã (1990) e da ampliação da UE, com a inclusão
de países da Europa Oriental historicamente ligados a Berlim, em
2003-04, os governos alemães, reforçados pelo dinamismo econômico do
país, ganharam uma dimensão hegemônica na Europa. Mas Berlim e Paris
conhecem sua mútua dependência.
Numa declaração à imprensa francesa, Frank Baasner, diretor do Instituto
Franco-Alemão de Ludwigsburg (no Estado de Bade-Wurtemberg), afirma que
o interesse pelas eleições francesas nunca foi tão grande e que, na
Alemanha, "todo mundo compreende que a crise do euro está longe de ter
terminado e que é crucial manter um bom entendimento entre os dirigentes
franceses e alemães".
Do lado francês, o nome mais citado para o cargo de primeiro-ministro é
Jean-Marc Ayrault, líder da bancada socialista na Assembleia. Quando
elenca suas qualificações, a imprensa francesa sempre menciona sua
experiência parlamentar, mas também o fato de que Ayrault -formado em
estudos germânicos- é "germanófono e germanófilo", atributos que
facilitarão as relações entre Paris e Berlim.
Falar alemão e conhecer bem a Alemanha aparece, de fato, como um trunfo
valioso nas biografias de outros possíveis membros do alto escalão do
governo francês.
Resta que Hollande fez uma dupla campanha eleitoral: contra a direita
francesa e contra "Merkozy", o nome que resume a política conservadora
que Merkel e Sarkozy impuseram à zona do euro. Saudando a vitória de
Hollande, o jornal espanhol "El País" abriu o seu editorial com o título
"Crescimento já!".
Boa parte da opinião pública espanhola e de outros países estagnados e
falidos da zona euro esperam que Hollande dobre a intransigência
financeira e fiscal de Merkel -que notadamente bloqueia a emissão de
"eurobonds", títulos bancados pelo Produto Interno Bruto da totalidade
da zona do euro- e ajude a relançar a economia da zona do euro.
Como os socialistas franceses, o partido social-democrata alemão (SPD) é
favorável aos "eurobonds", considerados essenciais para tirar a Europa
da crise.
Hollande toma posse em Paris nesta terça-feira, e na mesma tarde viaja
até Berlim para encontrar-se com a chefe do governo alemão.
Além da legitimidade granjeada na eleição e do apoio de parte da opinião
pública europeia, o novo presidente conta com outros trunfos nas
negociações com Merkel.
O principal é que a própria sociedade alemã começa a protestar contra o
arrocho conservador. Já faz quase uma década que os salários estão
estagnados no país e os movimentos sociais reagem.
O robusto sindicato IG Metall iniciou greves e paralisações para obter
aumentos salariais para os 3,6 milhões de metalúrgicos. Alguns
movimentos grevistas já se concluíram com sucesso, outros estão sendo
preparados.
Negocia-se também a criação de um salário mínimo, que, explica o jornal
"Le Monde", constitui uma reforma social importante num país onde um
quarto dos assalariados ganham salários considerados baixos, que
representam apenas dois terços do salário médio alemão (em valor bruto,
13,60 euros por hora, ou R$ 34,48).
Embora o mandato de Merkel vá até setembro de 2013, a coalizão de
partidos que apoia seu governo tem sofrido derrotas regionais nos
Landers alemães. Como tantas vezes na história europeia, os socialistas e
os social-democratas franceses e alemães estão, mais uma vez, no centro
das atenções.
Boa parte da calma com que a eleição de Hollande foi acolhida na
Europa explica-se por um motivo bastante simples: a parada política
ainda não está decidida na França
Sarkozy ganhou em 2007 atraindo, sem aliança, eleitores que no
primeiro turno votaram no candidato da FN, Jean-Marie Le Pen. Na
campanha recente, a tática não deu certo
O nome mais citado para o cargo de primeiro-ministro é Jean-Marc
Ayrault, "germanófono e germanófilo", atributos que facilitarão as
relações com Berlim
Folha de S.Paulo
13/05/2012