sexta-feira, 13 de maio de 2011

120 anos de liberdade religiosa no Brasil, consagrada na constituição de 1891.


No último mês de fevereiro completamos 120 anos da promulgação da segunda constituição do Brasil, a primeira da república, onde estava garantida a separação entre o Estado e a Igreja e o princípio da liberdade religiosa. A memória e o significado desta data devem ser celebrados porque são conquistas que precisam sempre se renovar e devem ser guardadas tanto pelo Estado, quanto pelos líderes religiosos, apesar de alguns deixarem que tais fronteiras sejam perigosamente ultrapassadas.

Durante a colônia e o governo português, apenas o cristianismo praticado pela Igreja Católica Romana era permitido em terras brasileiras. Gilberto Freyre já assinalou em Casa Grande & Senzala que o único requisito que a coroa não abria mão para permitir a vinda de reinóis para a colônia era a profissão da fé católica. Assim, judeus foram forçados à conversão sob a marca de “cristãos-novos” e a terra e sua população foram concebidas como algo a ser protegido contra os “hereges” protestantes. Assim foi até 1808, quando uma tímida abertura aconteceu com a vinda da família real.

A forte presença de ingleses no Brasil a partir de então levou ao reconhecimento por d. João do direito dos britânicos, a maioria anglicanos, de celebrarem seus cultos religiosos. A fórmula consagrada nos tratados de “comércio e amizade” e na constituição de 1824 foi autorizar a realização de cultos no interior de casas sem aparência externa de igrejas e na língua do celebrante, isto é, em inglês, de modo que não houvesse proselitismo com os nacionais. Sob esta legislação atravessamos todo o século XIX, com o agravante de que apenas os casamentos em igrejas católicas eram reconhecidos, não havendo sequer o casamento civil, e os cemitérios seguiam administrados também pelos seus templos. A solução extemporânea encontrada foi a celebração de outro acordo onde o imperador cedia ao governo britânico terrenos nas principais cidades para a construção de campos santos, onde os protestantes poderiam ser sepultados.Tornou-se célebre em Pernambuco a polêmica travada entre o general Abreu e Lima e o bispo Cardoso Ayres pelo direito de liberdade religiosa, que culminou com a negação de sepultura a pessoa do general por parte do bispo, problema que só foi resolvido quando o “Cemitério dos Ingleses” foi aberto para o valente Abreu e Lima, onde seus restos mortais repousam até hoje como testemunha daqueles dias difíceis. No texto da constituição vinha inscrita ainda a permissão para o imperador nomear bispos e que as ordens papais apenas seriam cumpridas nestas terras com a sua aquiescência.

A proclamação da república consagrou em definitivo os instrumentos jurídicos que separaram a Igreja do Estado e implantaram a liberdade religiosa.
Vejamos:
a) A constituição de 1891 criou o registro de nascimento e o casamento civis, abrindo a possibilidade
b) os cemitérios passaram a ser administrados pelas prefeituras,
c) retirou-se do texto magno qualquer referência a uma opção religiosa por parte do Estado e
d) inscreveu-se o direito individual de escolha de religião.

É preciso lembrar que por muito tempo a concretização destas garantias ainda demoraria para os seguidores de religiões de matrizes africanas, que permaneceram alvo de perseguições e preconceitos por décadas. As igrejas evangélicas foram as que mais imediatamente foram beneficiadas pelo novo corpo legal, considerando o intenso fluxo de imigrantes europeus e norte-americanos e o fato de que eram as igrejas que possuíam planos específicos de evangelização e criação de campos missionários no Brasil. Mas também os judeus e os muçulmanos foram beneficiados, pois o início do século XX foi igualmente o momento de instalação de importantes comunidades judaicas e árabes, principalmente em São Paulo. Os católicos também saudaram, mesmo com menor entusiasmo, a mudança, afinal não veriam mais a sua igreja sofrer intervenção do imperador na nomeação de padres e bispos (mas, em contrapartida, o clero deixou de ser funcionário público e passou a ser pago pela própria igreja).

Hoje, em que pese a ressurgência de fundamentalistas e de líderes religiosos que tentam pautar o Estado pelas reivindicações de seu grupo religioso específico, o Brasil pode se orgulhar de ser um lugar onde em um mesmo bairro encontramos uma mesquita e uma sinagoga; um centro kardecista, uma igreja católica e outra evangélica, e que todos passam pelas mesmas calçadas em direção a seus lugares de culto e reunião sem temer-se mutuamente ou considerar que o outro não tenha tal direito.

3 comentários:

  1. Um texto brilhante e esclarecedor. Salve a liberdade religiosa no Brasil! Deveria ser assim em todo o mundo. Abraços!

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  2. Ótimo texto. Parabéns, professor. De fato, essa separação Estado/Igreja, com liberdade religiosa, representou um grande avanço no nosso país rumo à liberdade de pensar, cultuar e agir, traduzindo um início de reconhecimento ao respeito que merece todo ser humano.
    Grande Abraço.
    ELIAS

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  3. Adinalzir e Elias, grato pelos comentários. Claro que sabemos que há uma abismo em todo o século XX em torno das práticas sociais, que sempre registraram casos de perseguição religiosa. No início do século, os frades capuchinhos fizeram uma campanha para recolher 'bíblias falsas' pelo Recife e acenderam uma grande fogueira com elas na praça da igreja da Penha, vizinho ao famoso mercado de São José. Jorge Amado, mesmo em versão romanceada, mostrou a perseguição sofrida pelos adeptos do candomblé em Salvador durante os anos Vargas.

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