sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Eleições, constituição e pena de morte no Brasil


Os períodos eleitorais fazem surgir promessas mirabolantes feitas pelos candidatos para seduzir o eleitor. Os candidatos aos cargos executivos fazem-nas à exaustão desde sempre, a maioria vista com descrédito, afinal, de acordo com a sabedoria popular, quem acreditará em “promessa de candidato”?! Muitas destas, entretanto, não podem efetivamente ser cumpridas ou porque não fazem parte das funções do parlamentar ou simplesmente porque sua discussão não é sequer possível. O caso mais típico do primeiro tipo são os projetos pretendidos pelos deputados ou vereadores que impliquem em criação de despesas, algo que é vedado ao poder legislativo, que apenas pode propor emendas financeiras por ocasião da discussão anual do orçamento da prefeitura, do estado ou da União.

Um caso mais preocupante ainda são as promessas de alguns candidatos em “lutar para implantar a pena de morte” no Brasil. Quem assim o faz, lança mão de um artifício para atrair a atenção, tentando manipular a percepção de insegurança e impunidade que permeia a sociedade, conquistando votos para si. Mas, tal proposta é simplesmente impossível de ser concretizada no país sob a atual ordem constitucional. O debate parlamentar sobre a pena de morte é simplesmente vedado pela constituição de 1988. O artigo 5º, que trata do rol dos direitos individuais, trata da pena de morte em dois momentos. Por um lado, estabelece a proibição de “penas desumanas, cruéis ou degradantes” no inciso 3º e, por outro, afirma que “não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada” no inciso nº 47. Ou seja, a constituição prevê a possibilidade da pena capital apenas para os casos de situação de guerra e veda a sua possibilidade para qualquer outro caso, inclusive quaisquer outras penalidades “cruéis ou degradantes”.

O eleitor poderia ser levado a pensar que se trata agora, apenas de eleger alguém que se proponha a fazer uma emenda que mude tal artigo e pronto. Portanto, nada melhor que escolher o valente e esbravejante candidato que tem a coragem para discutir e levar adiante esta questão! Ledo engano. Todas as constituições possuem, lado a lado, os instrumentos e ritos que preveem a sua própria reforma e estabelece aquilo que não poderá ser objeto de reforma de maneira alguma, ou seja, determina a sua “cláusula pétrea”. Na nossa, ela está no art. 60, inciso 4º, onde se afirma que não será “objeto de deliberação”, isto é, o poder legislativo não poderá sequer discutir mudanças nos seguintes pontos: (a) a forma federativa; (b) o voto direto, secreto, universal e periódico; (c) a separação de poderes; (d) os direitos e garantias individuais (o famoso art. 5°). Ora, já vimos que o artigo 5º veda a pena de morte, exceto em caso de guerra declarada; e que o artigo 60 afirma que nada que esteja nele é passível sequer de deliberação pelo Congresso Nacional.

Portanto, qualquer candidato que peça o seu voto nas eleições que se aproximam prometendo lutar pela pena de morte, ou está mentindo, ou não sabe do que está falando. Em nenhum dos dois casos parece que seja merecedor de nosso sufrágio. Os partidos e candidatos que se passam a tais promessas perdem uma oportunidade ímpar de aprimorar a cultura política educando o eleitor e a sociedade sobre a tarefa da representação política, de sua função legislativa e dos modos de fiscalização do executivo.

DIÁRIO DE PERNAMBUCO (link para assinantes)

6 comentários:

  1. Prezado Cláudio:

    Tão falacioso quanto o argumento de "muitos candidatos" que se aproveitam do estado de comoção nacional que a violência trás, é o seu argumento da impossibilidade total e absoluta da implantação da pena de morte no Brasil.

    Vale salientar que essa pena já está prevista, em casos de guerra declarada. Mas não é o caso que estamos discutindo aqui.

    Acho muito "engraçado" um historiador de sua categoria dizer que uma constituição não pode ser modificada em suas cláusulas pétreas.

    Essa atual, meu caro, já é nossa 8ª constituição. Quem já fez 8, porque não pode fazer a 9,10,11, 1000?...rs.

    É evidente que na atual constituição a Pena capital é inegociável. Mas, quem disse que essa constituição é a última, absoluta ou a melhor?

    Não tente iludir seus leitores. Em "NOVO ATO INSTITUCIONAL", é perfeitamente possível incluir tanto a Pena Capital quanto a prisão perpétua (com essa última não concordo). Então não coloque isso como algo "impossível" quando, de fato, não o é.

    Que seus leitores fiquem atentos:

    "O Poder Constituinte Derivado pode alterar quase totalmente a Constituição, exceto as cláusulas pétreas [...]...

    ...Porém, se ocorrer um golpe de Estado ou algo parecido que venha a desconstituir o Estado de Direito que é hoje, estas cláusulas serão simultaneamente revogadas.

    http://www.pesquisedireito.com/clausulas_petreas.htm.

    Por favor, não negue essa informação aos seus leitores.

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  2. Prezadíssimo filósofo, você estaria certíssimo se tivesse acrescentado que as mudanças que você advoga seriam possíveis com OUTRA constituição. Outra constituição implica o rompimento completo e radical com a atual ordem jurídica, através de uma revolução ou de um golpe de estado, seja qual for sua tendência ideológica. Só assim as sociedades retornam a um momento ficcional originário onde tudo é novamente permitido e uma nova ordem constitucional se faz. Foi assim quando do golpe que derrubou a monarquia; da revolução de 30; do golpe do Estado Novo em 37; do final do Estado Novo em 45; do golpe de 64; da redemocratização em 85/88.

    Dentro de cada um dos momentos históricos citados, entretanto, as mudanças só podem ser feitas até um certo limite. Isso porque, depois de encerrado o processo constituinte, o CONGRESSO CONSTITUINTE se dissolve e aquele momento onde tudo seria permitido, não existe mais. O parlamento normal não é um poder constituinte, é um poder legislativo. Ele é secundário, criado pela ordem constitucional, não é mais originário. Essas lições podem ser facilmente encontradas em dezenas de filósofos políticos e do direito, já a partir do século XIX. Vale a pena dar uma lidinha, para evitar argumentos falaciosos. kkkkkkkkkkkkkkk.
    O nosso limite constitucional previsto pelos constituintes originários de 1988 é estabelecido no artigo 60, inciso § 4º:

    "Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais."

    Como podemos perceber claramente, não usei jogos de palavras. Se pretendes, portanto, a implantação de qualquer dos ítens da lista acima, organiza-te logo em algum grupo que pretenda efetivamente derrubar o governo e a ordem jurídica atual. Eles, sim, podem tomar o poder, fechar o congresso e reorganizar todo o ordenamento jurídico do zero.

    Porque na atual ordem, isso não é possível. Eita, desculpa! Acabei de perceber que sugeri um levante contra as autoridades que foram instituídas por Deus e contra as quais não podemos nos rebelar. kkkkkkkkkkkk.

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  3. Cláudio:

    Você não leu direito...rs. É obvio que deixei claro que pena de morte só com outra constituição. E você não está totalmente correto quando afirma a necessidade de "golpe" para a convocação de nova assembléia constituinte. Você mesmo cita o exemplo: a constituição de 1988. Houve golpe? O que houve foi um grande acordo coletivo que ressaltava a necessidade de um novo modelo. A pergunta é: será que não estamos realmente precisando de novo modelo? Fala-se em reforma tributária, reforma política, reforma no judiciário, no código penal, disso e daquilo. Isso não seria um indício da necessidade de repensar muita coisa? Assim sendo, passa, obviamente, pela necessidade de nova constituição. Afinal, que problema teria né? Mais uma menos uma...rs. Já estamos na oitava (?) mesmo....rs.

    Finalmente, a questão da pena de morte, dependendo da interpretação, sua não aplicação, está infringindo diretamente contra o artigo 60 (?) da constituição, que reza sobre os direitos e garantias individuais, uma vez que nossa vida está sendo ameaçada por marginais que só merecem, para que seja satisfeito o princípio de justiça, a morte.

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  4. Um processo constituinte é fruto de uma mudança muito séria na sociedade. A constituinte convocada pelo presidente Sarney em 1986 foi fruto não de um golpe, mas do enterro de um. A ordem jurídica implantada pela emenda constitucional n° 1, de 1967, concentrava todos os poderes da república na pessoa do presidente, suprimia até mesmo o direito de Habeas Corpus, criava tribunais de exceção (que não existiam na ordem jurídica, mas eram criados exclusivamente para determinado julgamento, até o juiz era nomeado extraordinariamente), ampliava o número de membros do STF (para dar mais folga ao governo), enfim. A transição do regime militar para os governos civis precisava da substituição da ordem jurídica em sua origem, daí a convocação da constituinte. Note a dificuldade destes momentos observando o que ocorre agora mesmo com a reforma política. Ventilou-se a possibilidade de uma assembléia exclusiva, uma espécie de 'mini-constituinte', exclusivamente para discutir a reforma política, e a proposta não foi adiante, pela amplitude de poderes que tal grupo poderia ter.

    Também para perceber a consequencia prática da cláusula pétrea, há quem entenda (embora haja divergências) que hoje, sob a atual constituição, não se poderia discutir sequer o parlamentarismo, já a de 1988 estabeleceu um prazo para que essa discussão ocorresse: a realização de um plebiscito, cinco anos após a promulgação da constituição. em 1993, o plebiscito ocorreu, vencendo a República e o Presidencialismo. A interpretação majoritária é que a constituição não permite o retorno desse debate, já que ele já foi decidido.

    Só para lembrar os eventos que trouxeram novas constituições:
    1822 - independência / constituição 1824
    1889 - república / constituição de 1891
    1930 - revolução de 30 / constituição de 1934
    1937 - golpe do Estado Novo / constituição de 37
    1945 - fim do Estado Novo / constituição de 46
    1964 - golpe civil-militar/constituição de 67
    1985 - fim dos governos militares/ CF 1988

    Há quem considere a Emenda Constitucional n° 1, de 1969 (feita sobre a constituição de 67), uma outra constituição, tamanha foi a alteração que ela trouxe nas relações entre os poderes.

    A sugestão, portanto, permanece. Você precisa derrubar/apoiar/estimular/subverter o atual sistema para que haja um novo processo constituinte.

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  5. Prezado Cláudio
    Polêmicas a parte. Sempre fui contra a pena de morte no Brasil. Que haja justiça!
    Abraços,

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  6. Com outra eleição se aproximando é importante compreender os limites das mentiras e das falsas promessas.

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