quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A pena de morte em um texto de "Os Miseráveis", de Victor Hugo, sobre a gulhotina.


"Os miseráveis" de Vítor Hugo é um grande livro, extraordinário livro. É uma das primeiras obras que voltam o seu olhar para as questões e contradições sociais da sociedade européia do século XIX. Isso quer dizer que ela reflete sobre o mundo da revolução industrial e pós-Revolução Francesa. Outros autores também dedicaram suas obras ou parte delas para essa reflexão, a exemplo de Charles Dickens, na Inglaterra (Um conto de Natal, David Copperfield) e Emile Zola, também na França (Germinal, sobre a vida em uma aldeia cuja principal atividade econômica era a mineração de carvão). Esses autores estão intimamente relacionados aos movimentos romântico, naturalista e realista.

Uma boa dica para estudar seria assistir (ou rever) o filme "Os miseráveis", com Gerard Depardieu (aquele francês, do narigão) no papel de Jean Valjean. Eu, de minha parte, transcrevo no próximo post um trecho belíssimo, onde Hugo põe uma extraordinária reflexão sobre a pena de morte na fala do bispo Bienvenu, que reflete sobre o papel da guilhotina após assistir a um condenado a morte em seus últimos momentos.

(...)
Quanto ao bispo, ver a guilhotina foi um choque do qual levou muito tempo para se restabelecer.

Com efeito, o patíbulo, quando está levantado, é algo que alucina. Pode-se considerar com certa indiferença a pena de morte, não aprová-la nem condená-la, enquanto não se tiver visto, com os próprios olhos, uma guilhotina; mas, vendo-se uma, o choque é violento e é preciso decidir-se ou a favor ou contra. Uns a admiram, como de Maistre; outros a detestam, como Beccaria. A guilhotina é a síntese de toda a lei; seu nome é vingança; não é absolutamente neutra, e não permite que continue neutro. Quem a vê se amedronta com o mais misterioso dos medos.

Todas as questões sociais levantam pontos de interrogação ao redor desse cutelo. O patíbulo é visão. O patíbulo não é simples armação de madeira, não é máquina: o patíbulo não é engenho inanimado feito de madeira, ferro e cordas. Parece um ser que possui não sei que iniciativa sombria; dir-se-ia que essa armação vê, que essa máquina entende, que esse mecanismo compreende, que essa madeira, esses ferros, essas cordas têm vontade própria. No pesadelo amedrontador em que lança a alma, o cadafalso se mostra terrível, confundindo-se com sua tarefa. O patíbulo é o cúmplice do carrasco; devora, alimenta-se de carne, sacia-se com sangue. É uma espécie de monstro fabricado pelo juiz e pelo carpinteiro, um espectro que parece viver uma vida feita de todas as mortes que ocasiona.
(...)


Os Miseráveis, de Vítor Hugo. São Paulo, Editora Cosac & Naif, 2002. p.37.

Um comentário:

  1. Prezado Cláudio:

    Bom seria que você também visse uma guilhotina para se decidir a favor da pena de morte..rs. Para assassinos incorrigíveis, cruéis e sanguinários resta a "síntese de toda a lei"...rs.

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