sábado, 29 de janeiro de 2011

Protestos no Egito contra Mubarak: "O Faraó em seu labirinto" (Tradução da matéria publicada no El País)


"Necessitam de mão de obra em seu país? Eu poderia oferecer-lhes 10 milhões de egípcios". A rapidez com que o presidente Mohamed Hosni Mubarak respondeu há três anos a uma pergunta desta correspondente sobre o desemprego em seu país era excessiva inclusive para o humor irreverente egípcio. Estava claro que Mubarak havia perdido o contato com a realidade de seu país. Perto de completar 30 anos no poder, os egípcios decidiram dizê-lo em alto e bom som nas ruas do Cairo, Alexandria, Suez e outras grandes cidades.

Naquela entrevista, Mubarak falou da forma paternalista de seus concidadãos ("este é um povo acostumado a um partido forte") e inclusive se atreveu a afirmar que os direitos humanos "não são motivo de preocupação no Egito". O dirigente, ao que muitos comentaristas apelidaram de "O Faraó" (apesar dos antigos governantes egípcios terem que provar-se continuamente ante seus súditos), sentia-se confiante. Tanto que fez substituir a Mohamed el Baradei, então o direitor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a quem havia vetado a continuidade do mandato.

Mubarak, que nasceu no delta do Nilo, em 1928, vem de uma família da pequena burguesia rural e, como seus antecessores, entrou para a política através do Exército. Após o treinamento como piloto militar na ex-União Soviética, alcançou honras de herói após o seu desempenho durante a última guerra árabe contra Israel. As em outubro de 1973. Ele era o chefe da Força Aérea até 1975, quando Anwar Sadat o nomeou vice-presidente.

O assassinato de Sadat em outubro de 1981 por ter assinado a paz com Israel levou Mubarak repentinamente para a Presidência. Ninguém poderia imaginar, então, que aquele oficial corpulento, sem apoio popular ou internacional, viria a se tornar um dos líderes árabes que durariam mais tempo no poder. No entanto, Mubarak assumiu a causa da morte de seu antecessor (o acordo de paz com Israel) para construir uma reputação como um estadista internacional (com a cumplicidade dos EUA) e reconstituir a influência regional do seu país.

Sem dúvida, ele contribuiu para um período de estabilidade política e desenvolvimento econômico que desviaram a atenção dos egípcios do seu crescente monopólio do poder. Na verdade, apesar dos sucessivos plebiscitos em 1987, 1993, 1999 e 2005, Mubarak tem agido como se fosse um governante militar. Embora a Constituição egípcia estabeleça em teoria as instituições democráticas, o controle das eleições reduziu os processos eleitorais a uma mera ratificação do Partido Democrático Nacional, em detrimento de uma oposição cada vez mais fragilizada e acomodatícia.

A chave para esse férreo controle foi o seu empenho, quase obsessão, para manter o país sob a 'lei de emergência'. Sob o pretexto do combate ao terrorismo, essa regra tem permitido suspender direitos fundamentais na Constituição (incluindo as liberdades de imprensa e de associação) e alargar as competências dos órgãos de segurança que se tornaram o principal bastião do seu regime. Mas se é verdade que conseguiu conter o terrorismo islâmico durante os anos noventa do século passado que chegou a colocar o país contra as cordas, não é menos verdade que o preço pago pode ter hipotecado o futuro de toda uma geração.

Com o poder nas mãos de poucos, a liberalização econômica do país, que começou há duas décadas tem enriquecido a apenas um punhado de fiéis e ampliado as diferenças sociais. Sem canais de expressão política, muitos egípcios estavam inclinados na direção da Irmandade Muçulmana, um grupo de oposição ilegal, mas tolerada, que com o tempo tornou-se a imagem reversa do governo. A ameaça de um eventual avanço da Imandade serviu a Mubarak para reduzir a pressão de os EUA e outros aliados ocidentais, sempre que lhe pediam para atenuar a força do sistema.

"Misturar religião e política é perigosa", ele repete em entrevistas, sabendo que a resposta soa bem para o ocidente secular. No entanto, enquanto se recusam a falar sobre a Irmandade Muçulmana ("para não dar publicidade"), suas políticas a fortaleciam. O empobrecimento do país é um terreno fértil para os islâmicos. Os protestos em 2004 lançaram o movimento para a mudança Kifaya (Basta) e abriu a esperança de que fosse possível quebrar a alternativa Irmandade Muçulmana ou Mubarak. Mas a atenção internacional que os ativistas conseguiram apenas resultaram em uma tímida reforma constitucional para permitir que em 2005 o referendo presidencial tivesse a aparência de uma verdadeira eleição e ilusórias promessas de milhões de empregos e habitação.

Mubarak nunca nomeou um vice-presidente e se recusou a revelar se pretende concorrer à reeleição em setembro próximo, ou se, como teme a maioria dos egípcios, pretende colocar o seu filho Gamal na chefia de Estado. Fartos, os egípcios estão dizendo que eles não aceitam qualquer uma destas opções. Ninguém sabe como o conflito vai se resolver. Mas, aquele El Baradei que há três anos esperava de uns jornalista espanhóis terminassem a entrevista com o seu presidente, voltou ao Egito para liderar a transição.

Um comentário:

  1. Esse é o destino de todos os ditadores. E o Egito não foge a regra. Aos poucos, esse faraó irá cair. Está se vendo que o povo não aguenta mais.
    Um grande abraço!

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