O Enem já produziu duas boas novas. Oxigenou a lista dos dez primeiros da UFPE com alunos de escolas públicas e possibilitou que a lista se apresente com cursos outros que não apenas medicina. Daqueles, três são das engenharias e sete da área de ciências humanas, com ênfase em direito.
Nada contra as escolas privadas ou o curso de medicina. Mas o modelo anterior de seleção tinha como eixo a ênfase no treinamento dos alunos para a resolução de questões de múltipla escolha, cujas disciplinas mais difíceis, por assim dizer, eram aquelas da área de exatas, com uma infinidade de fórmulas para decorar e cálculos por fazer. A resolução destas questões eram normalmente encaminhadas pelos cursinhos através do que se chamou localmente de “bizus”, muitas vezes sem uma preocupação com uma exata compreensão pelos alunos dos conceitos e termos utilizados. Da mesma forma, os temas das ciências humanas e das linguagens pareciam prontas para que proliferassem as músicas e quadrinhas que facilitariam a tarefa de, novamente, decorar este e aquele conceito ou acontecimento. Professores “showmans”, “aulas-show”, foram expressões que, tristemente, se consolidaram na florescente cena escolar local. Métodos e técnicas que deveriam ser um meio para a construção do conhecimento transformaram-se rapidamente em fins, em uma inversão perversa que comprometia o próprio processo pedagógico.
Reduzindo o peso da decoreba, que privilegiava as ciências exatas, equilibrou a avaliação de todos os alunos ao contemplar questões que exigiam capacidade de compreensão e explicação de fatos e conceitos.
Em que pese a própria prova de história ainda ter demonstrado uma hesitação, talvez uma “crise de identidade” entre questões relativamente básicas e a solicitação do conhecimento de dados específicos, muito próximos à decoreba, no conjunto, as questões que abordaram temas de história e geografia já primaram muito mais pela análise e a contextualização de eventos.
Está claramente demonstrado porque os empresários da educação reclamaram tanto da adoção do Enem. Nada contra quem encontre na educação uma oportunidade de ganhar dinheiro. Mas tudo contra um modelo que, enfatizando o treinamento do aluno para resolver questões de múltipla escolha, relega a segundo e terceiro planos as competências e habilidades em se comunicar, em compreender um telejornal ou artigo de revista, interpretando os meandros das discussões políticas e econômicas, no acesso mais orgânico e sistemático à fruição do patrimônio cultural que a nossa sociedade produziu, particularmente nas artes e literatura.
Ainda está por se avaliar o impacto de uma seleção que abre a possibilidade de uma concorrência nacional para as vagas disponíveis nas universidades de cada estado.
O argumento do MEC de que a mobilidade acadêmica pode provocar uma melhoria no perfil do profissional parece ter apresentado como resultado imediato o aumento assustador da concorrência na UFRPE, a única que adotou o Enem como único meio de seleção. Se confirmado que o aumento foi devido a inscrições de alunos de outros estados, e que o número de alunos desta "mobilidade" é significativo, haverá muitas justas reclamações e talvez até reivindicações por algum tipo de "cota estadual". Afinal, as universidades possuem um papel essencial no desenvolvimento local e não haveria sentido em manter centenas de vagas em Pernambuco ocupadas com alunos do eixo Rio-São Paulo-Minas. Se a demanda está tão grande, e há de estar mesmo, o caminho será a abertura de novos cursos, novas universidades e não a ocupação maciça das vagas de um estado por alunos de outras regiões.
O ENEM passou bem por seu teste inicial. Ganha a educação brasileira, a universidade, alunos e professores do ensino médio.
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