sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Artigo meu no Diário de Pernambuco de hoje: Os evangélicos e o ideal de progresso no século 19


Um balanço da ação social entre as igrejas oriundas do protestantismo de missão, aquelas que aqui chegaram pelas mãos dos missionários no século 19, é bastante positivo. Igrejas metodistas, batistas e presbiterianas chegaram ao Brasil pelo trabalho de norte-americanos que estavam profundamente convencidos da necessidade de difundir a sua fé, mas também a sua civilização, o que incluía a construção de escolas, de hospitais e a reforma dos comportamentos individuais e sociais.

Vários pregadores defenderam uma nova moral social, criticando a escravidão e defendendo a separação entre a igreja e o Estado. No quesito da escravidão, vários dos primeiros missionários eram oriundos de igrejas do sul dos EUA, região escravocrata e com um racismo profundamente arraigado, silenciando aqui sobre a questão. Mas logo chegariam pregadores do Norte que levantariam sua voz contra o trabalho escravo. O pastor presbiteriano James Houston foi o exemplo mais acabado deste tipo. Uma das vozes mais lúcidas a criticar a bárbara instituição, foi enviado pela Junta de Nova York e trabalhou nos campos da Bahia, Rio de Janeiro e Santa Catarina.

A defesa da liberdade de religião promoveu uma interessante aproximação entre maçonaria e evangélicos, já que vários maçons ilustres batiam-se por tal direito. No célebre conflito entre D. Pedro II e o bispo D. Vital pelo cumprimento das ordens papais de afastamento dos maçons da igreja católica, os presbiterianos no Rio de Janeiro mostraram clara simpatia pelos primeiros através das páginas de seu jornal A Imprensa Evangélica. Várias denominações também se interessaram desde cedo pela educação e construíram grandes colégios nas capitais das principais províncias, a exemplo do Americano Batista e do Agnes Erskine em Recife.

A educação era vista como estratégia para a formação de uma nova elite com um conjunto de valores afinados com a ideia de progresso e de civilização auto-representada pelos missionários, representando mesmo a outra face desse projeto. A cultura que os pregadores encontraram no Brasil era muito diversa da norte-americana. Vindos de um país republicano, anglo-saxão e cujas igrejas eram separadas do estado, com as garantias de liberdades individuais e de religião, encontraram no Brasil uma monarquia de base ibérica, uma religião estatal e uma proibição formal para a existência de outras igrejas cristãs.

Os colégios organizados deveriam promover novos valores culturais e sociais, tais como a liberdade de consciência e religião, o livre comércio e o imaginário de progresso representado pelos EUA àquela época. Embora as escolas tenham se marcado pela recepção dos filhos das elites locais, a pregação destes valores era dirigida a partir do púlpito a todos os que passavam a frequentar as igrejas. O estímulo às possibilidades individuais fez muitos dos membros vivenciarem uma mobilidade social incomum para os padrões da virada do século. Não se trata de ascensão econômica, apenas, mas de novas perspectivas de relações sociais que se estabeleceram a partir da consolidação da grande identidade coletiva que era o 'ser evangélico'.

Uma trajetória típica foi a de um dos primeiros pastores da Primeira Igreja Batista do Recife, João Borges da Rocha, que à época de sua conversão por volta de 1900 era um "funcionário de armazém de açúcar" em Nazaré da Mata, possivelmente um apontador ou um administrador. Passou a auxiliar os reverendos Ginsburg e Entzminger na abertura de igrejas pelo interior, frequentou uma das primeiras turmas do Seminário Batista até ser ordenado pastor. Esse ambiente traduziu-se em um aumento geral da alfabetização e da escolaridade entre os evangélicos. Os seus colégios trouxeram ainda, novas práticas educacionais com a integração de meninos e meninas no mesmo espaço, a educação física foi difundida e os currículos renovados, a educação era compreendida como um direito do indivíduo e um estímulo à livre iniciativa. Na visão missionária, portanto, não se tratava apenas de realizar conversões, mas difundir um projeto de civilização.

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, SEÇÃO OPINIÃO

Um comentário:

  1. Vai dormir Cláudio. Parabéns mais uma vez. Pr.Gaspar publicou. Vai lá e toca fogo..rs.

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