quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A briga entre Assis Chateaubriand e o arcebispo de Belo Horizonte: uma lição sobre as "verdades" da imprensa


Um episódio assim tinha ocorrido meses antes, quando Rubem Braga ainda trabalhava nos jornais de Minas Gerais. Irreverente e anticlerical, em plena Sexta-Feira da Paixão Braga escrevera um artigo considerado desrespeitoso à figura de Nossa Senhora de Lourdes, a padroeira de Belo Horizonte. A Igreja mineira, que tinha planos de criar um jornal para combater os Associados locais (o que acabaria acontecendo em 1935, com o lançamento de O Diário, que ficou conhecido como "Diário católico"), entendeu que a provocação feita por Braga era o pretexto de que precisava para abrir guerra contra Chateaubriand.

O arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, d. Antônio dos Santos Cabral, tomou a briga a peito, pessoalmente. Deu ordens para que todos os padres, até nas mais remotas paróquias do sertão mineiro, dedicassem suas prédicas e sermões dominicais ao trabalho de demolição do Estado de Minas e do Diário da Tarde. A orientação era uma só: um bom católico não podia ler jornais que faltavam com o respeito à Virgem Maria.

Mineiro e conhecedor das tradições conservadoras de seu estado, Dario de Almeida Magalhães procurou Chateaubriand para fazê-lo ver que, se não fosse contido a tempo, d. Cabral podia causar um estrago de proporções consideráveis entre os leitores, assinantes e anunciantes dos jornais. O que ele propunha era um acordo que amansasse o bispo - por exemplo, transferir Rubem Braga para o Rio ou para São Paulo.

Chateaubriand discordou, disse que seria uma humilhação submeter-se àquele "padre desaforado". Dario quase desabou ao ouvir o patrão, sapateando e vociferando, propor a sua solução para o conflito:

- Se esse filho da puta continuar com essa conversa fiada, vou escrever um artigo nos jornais dizendo que sei a história dele. Vou dizer que ele estuprou a própria irmã.

Chateaubriand não conhecia d. Antônio dos Santos Cabral e não sabia sequer se ele tinha irmãs, mas Magalhães conhecia Chateaubriand muito bem e sabia que, se não fosse contido a tempo, ele sem nenhuma dúvida teria cumprido a ameaça - e o bispo que se arranjasse para desmenti-lo. Para felicidade geral acabaria prevalecendo a mineiríssima prudência de Magalhães: depois de envolver o Itamaraty e o núncio apostólico Enrico Gasparri (que aparentemente se convenceram de que por trás da ira santa do bispo estava oculto um projeto jornalístico), os Associados ofereceram como desagravo a d. Cabral a cabeça de Rubem Braga, para quem não poderia ter ha-
vido solução melhor. Há muito tempo querendo deixar Belo Horizonte, o jornalista capixaba transferiu-se de bom grado para o Diário da Noite, em São Paulo.

CHATÔ, O REI DO BRASIL, DE FERNANDO MORAIS. pp. 336/337.

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