domingo, 19 de setembro de 2010

Eleições, constituição e pena de morte no Brasil ou "cuidado com quem não entende o que é o parlamento"


O período eleitoral faz surgir promessas mirabolantes feitas pelos candidatos para seduzir o eleitor. Os candidatos aos cargos executivos fazem-nas à exaustão desde sempre, a maioria vista com descrédito, afinal, de acordo com a sabedoria popular, quem vai acreditar em “promessa de candidato”. Para os pretendentes a cargos legislativos, muitas das promessas feitas não poderiam ser cumpridas por não fazerem parte das funções do deputado ou vereador ou por sua discussão não ser sequer possível. No caso mais típico está todo tipo de projeto pretendido pelo parlamentar que implique em criação de despesa, algo que é ordinariamente vedado aos legisladores, que apenas podem propor emendas financeiras por ocasião da discussão anual do orçamento da prefeitura, do estado ou da União. Este tipo de promessa é o surgimento de candidatos que defendem a pena de morte em Pernambuco, Ceará, São Paulo e vários outros estados.

Um caso mais preocupante são os compromissos de alguns em “lutar para implantar a pena de morte” no Brasil. Quem assim o faz lança mão de artifício para atrair a atenção para si, tentando transformar a sensação de insegurança e impunidade em votos para sua candidatura. Mas, tal proposta é simplesmente impossível de ser concretizada no país sob a atual ordem constitucional. Afinal, os eleitores nunca se perguntaram por que não há o cumprimento dessa promessa e nenhum projeto circula pelo Congresso nesse sentido? A discussão sobre pena de morte sob a vigência da atual constituição é simplesmente vedada pela mesma. O artigo 5°, que trata do rol dos direitos individuais, trata da pena de morte em dois momentos. Por um lado, estabelece a proibição de "penas desumanas, cruéis ou degradantes" no inciso III e, por outro, afirma que "não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada" no inciso XLVII. Ou seja, a constituição de 1988 prevê a possibilidade da pena capital apenas para os casos de situação de guerra e veda sua possibilidade para qualquer outro caso, inclusive quaisquer outras penalidades “cruéis ou degradantes”.

O eleitor poderia ser levado a pensar então, naturalmente, que se trata apenas agora de eleger alguém que proponha uma Emenda Constitucional que mude tal artigo e pronto. Portanto, nada melhor que escolher o valente e esbravejante candidato que tem a coragem para discutir e levar adiante esta questão. Ledo engano. Todas as constituições possuem, lado a lado, os instrumentos e ritos que preveem a sua própria reforma e estabelece aquilo que não poderá ser, de maneira alguma, objeto de reforma constitucional, ou seja, determina a sua "cláusula pétrea". Na nossa, ela está no art. 60, inciso IV, onde se afirma que não será “objeto de deliberação”, isto é, o poder legislativo não pode sequer discutir a mudança dos seguintes pontos:
a) a forma federativa;
b) o voto direto, secreto, universal e periódico;
c) a separação de poderes;
d) os direitos e garantias individuais (o famoso art. 5°).

Ora, já vimos que o artigo 5° veda a pena de morte, exceto em caso de guerra declarada; e que o art. 60, IV, afirma que nada que esteja no art. 5° é passível sequer de deliberação pelo Congresso Nacional. A proposta seria, assim, rejeitada de pronto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Portanto, qualquer simpático personagem que peça o seu voto prometendo lutar pela pena de morte está mentindo ou não sabe do que está falando. Em nenhum dos dois casos parece-me que seja merecedor de seu sufrágio. Pena de morte em crimes comuns no Brasil, apenas sob a égide de uma nova constituição, o que implicaria o rompimento completo da atual ordem, seja por um golpe de direita ou de esquerda.

Os partidos e candidatos que se passam a tais promessas perdem uma oportunidade ímpar de aprimorar a cultura política educando o eleitor e a sociedade sobre a tarefa da representação política, de sua função legislativa e dos modos de fiscalização do executivo.

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