segunda-feira, 19 de abril de 2010
50 anos de Brasília Teimosa. Em área nobre, uma comunidade que nasceu na luta pela terra
Do Diário de Pernambuco, 18 de abril.. Brasília, a capital federal, celebrou antecipadamente neste sábado seus 50 anos com show de Moby, cantor pop novaiorquino. Distante 1,6 mil quilômetros do Planalto Central, uma outra Brasília, construída à beira mar, no início da Zona Sul do Recife, não fará festa. Não pela falta de motivos. Mas porque não existe uma data que simbolize o seu nascimento. Brasília Teimosa, na realidade, começou a ser formada bem antes de 22 de abril 1960, dia da inauguração da prima famosa. Justamente quando a capital idealizada pelo então presidente Juscelino Kubsticheck começava a ser erguida, os primeiros ocupantes da localidade travaram uma luta política das mais simbólicas por terra, por moradia, por direitos, por cidadania, enfim.
Inspirados no nome que seria dado à nova capital, pescadores, lavadeiras, biscateiros, brasileiros sem chão, levantavam seus barracos à noite e via a polícia derrubá-los ao amanhecer. Resistentes, juntavam os destroços e recomeçavam. Valentes, não seintimidavam com truculência patrocinada pelo poder público. Teimosos, conquistaram uma área cobiçada e criaram uma comunidade cuja história é marcada por vitórias resultantes da mobilização popular.
Hoje, 50 anos depois, a luta pela terra permanece. A especulação imobiliária avançou sobre o vizinho bairro do Pina e tem Brasília Teimosa como o novo alvo. O Conselho de Moradores, um dos quartéis da resistência desde 1966, vê com preocupação o fenômeno que define como 'expulsão branca'. "Procuramos alertar os moradores para a importância de não vender as casas. Mas sabemos que gente interessada em construir aqui chega e oferece valores tão altos que os moradores não resistem", observou o presidente da entidade, Wilson Lapa.
"Quem tem dinheiro chega e compra uma, duas, três casas. Se o morador quiser vender, não tem como proibir. A Justiça é que deve agir para coibir isso. Nós da comunidade devemos conscientizar os donos a não vender seus imóveis. Por que depois, para onde eles vão? Sem o apoio do poder públicofica mais difícil ainda", queixa-se Lapa, atestando que a posse da terra ainda hoje é uma prioridade. Segundo ele, até apenas cerca de 2,5 mil títulos foram entregues.
O tema, aliás, está entre os mais debatidos nessa fase de campanha para renovação do Conselho, cuja eleição ocorre no próximo domingo. Antônio Rodrigues, ex-presidente e candidato a novo mandato, concorrendo com Lapa, alerta para o fato de os prédios da 'invasão branca' estarem sufocando o bairro. "A gente lutou, invadiu, e está lutando até hoje pela posse. Só apareceu mentira até agora".
A situação do bairro, uma área de praia, entre o centro da cidade e o hoje saturado bairro de Boa Viagem - o mais caro do Recife - explica o fato de Brasília ser objeto de desejo. O ex-prefeito Gustavo Krause, gestor que entre 1979 e 1982 executou projeto de estruturação urbana da área, destaca que Brasília vive sob ameaça constante desde a invasão inicial. Ele lembra que naquela época agiu sem sofrer pressões de empreendedores mas avalia que, mesmo que não existisse uma demanda concreta, havia um risco permanente de expulsão. "Por toda a luta pela sobrevivência Brasília Teimosa tornou-se talvez o mais politizado dos bairros periféricos", diz.
Essa politização surgiu a partir da Igreja. Presidente do Conselho de Moradores na época da administraçã de Krause, Moacir Gomes diz que ele e outras lideranças foram formados por religiosos oblatos do grupo Voluntários do Papa. Foram eles, que liderados pelo padre americado Jaime Kohmichen, fundaram a capela do Imaculado Coração de Maria e capacitaram os jovens para lutar por direitos e deveres.
"Essas pessoas nos estimularam a ver o mundo de modo diferente. De um lugar que era só barba de bode (capim) e bicho de pé, construímos um bairro com infraestrutura. Com ajuda de profissionais de diversas áreas montamos um projeto (chamado de Teimosinho) pensado para as nossas necessidades e não abrimos mão de nada", salienta. O projeto chamou tanto a atenção que trouxe à comunidade na época o então presidente do Banco Mundial, Roberto McNamara, e o arquiteto Oscar Niemeyer. O mesmo que projetou a outra Brasília.
Leia a matéria no Diário de Pernambuco, 18/04, AQUI.
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