quarta-feira, 14 de abril de 2010

Casa grande anunciada como histórica no Diário de Pernambuco no domingo foi destruída pelo dono na segunda-feira



O título deste post poderia também ser "história, memória e patrimônio", mas optei pelo estilo "jornalístico" para depois tecer alguns comentários. No último domingo, em reportagem que você pode ler AQUI, o Diário de Pernambuco tratou da existência de uma casa grande de engenho na região metropolitana do Recife (no município de Jaboatão) que dataria do século XVII, estava um pouco deteriorada, as pessoas ignoravam sua importância arquitetônica, histórica e que a prefeitura estava avaliando o tombamento do imóvel.

Na segunda-feira, o dono colocou o prédio abaixo. [Como diria o José Simão, esse parece mesmo o país da piada pronta!]. Você pode ler a matéria AQUI.

O tombamento de um bem pelo Estado pode incidir sobre algo que tenha "valor histórico, cultural, arquitetônico ou ambiental", e objetiva impedir a sua destruição ou descaracterização. O ato é registrado em um livro específico do órgão de patrimônio responsável e não é uma desapropriação. Nesta, o proprietário teria a propriedade destituída e receberia a devida indenização do Estado e o bem passa a integrar o patrimônio de quem o "comprou". Naquela, o proprietário fica impedido como dito acima de destruir ou descaracterizar o imóvel, mas permanece integralmente com os seus direitos de domínio e posse, podendo utilizar o objeto, alugar, vender, enfim. A responsabilidade pelas obras de conservação da estrutura tal qual estava no momento do tombamento é responsabilidade do proprietário porque este de fato é o dono, pode e de fato utiliza o objeto integralmente na satisfação de seus interesses. Portanto, não há que se discutir que de fato a primeira responsabilidade dos custos da manutenção é do proprietário. A lei, entretanto, prevê que se este não possui os recursos necessários para as obras deve comunicar previamente o órgão responsável [municipal, estadual ou federal] que então poderia por obrigação legal realizar o serviço. Você pode consultar a legislação e os comentários da Fundarpe AQUI.

Claro que entram aqui questões seríssimas, práticas e filosóficas [rsrs]. A preservação da memória coletiva de uma dada sociedade é importante, é vital para a construção das identidades pessoais e coletivas. Um povo que desconhece, que não cria instrumentos para ter acesso a seu passado, que não tem relação orgânica com ele pode perfeitamente ser comparado a um indivíduo que, por algum motivo que seja, desmemoriado, vive um eterno presente. Literalmente, porque se não possui um passado, não pode compreender quem é nem pode ter perspectiva de futuro. Óbvio que os mais extremistas dirão que a sociedade tem todo direito a um passado, mas... sem mexer na propriedade privada de ninguém. [rsrs]. Esse é o ponto filosófico, de princípios [o outro também é, mas este é, digamos, mais tangível]. Se a propriedade privada é ou não absoluta. Apesar da ferocidade daqueles que se dizem 'liberais', há muito tempo a sociedade ocidental deixou de considerar esse caráter 'absoluto'.

O historiador inglês Eric Hobsbawn escreveu na introdução de um de seus livros [A Era dos Extremos, o breve século XX] que “quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que outros esquecem, tornam-se mais importantes que nunca no fim do segundo milênio. Por esse mesmo motivo, porém, eles têm de ser mais que simples cronistas, memorialistas e compiladores”.

3 comentários:

  1. Olá Cláudio.

    Que bom que gostou do site Eleitos de Deus. A beleza do site talvez esteja no conteúdo e não no design, não é? rsrsrs

    Linkei seu blog também no site, ok?

    Abraços.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Ai, chega a ser pecado um negócio desses! Privar uma nova geração de conhecer a história com os próprios olhos. Isso tudo pra construir galpões... O capitalismo às vezes cega as pessoas né? E não adianta colocar na justiça pra mandar o proprietário construir de novo. Não vai ser a mesma coisa! É sem volta.
    Tomara que esse fato, evite outros tantos, como o shopping que querem construir na av. Rosa e Silva no lugar do hospício da Tamarineira.
    Eu quero que meus tataranetos ainda possam ver algo que fez parte de uma sociedade de 100, 200, 500 anos atrás. =D

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