terça-feira, 11 de maio de 2010

David Cameron é o novo primeiro-ministro da Inglaterra. Como funciona o parlamentarismo.


A Inglaterra é a mãe de um dos dois modelos mais difundidos de administração do poder executivo do Estado na época moderna, o parlamentarismo. O outro, é o presidencialismo, mas trataremos dele em outra ocasião. Antes, atenção! Cada país que adota o parlamentarismo, o faz com particularidades próprias e com variações, ora menores, ora maiores, que o modelo inglês.

Chefia de Estado e chefia de governo

Lembremos que a gestão do Estado é dividida usualmente pela teoria política em uma função de administração, executiva e outra de representação do Estado junto à comunidade internacional. Em outras palavras, há uma função de governar e outra de representar. Em um sistema presidencial, a mesma pessoa ocupa as duas funções. No Brasil, o presidente governa (chefe de governo) e representa o Estado (chefe de Estado). Em um sistema parlamentarista, há uma pessoa para ocupar a chefia de governo (primeiro-ministro) e outra para a representação do Estado (se for monarquia, no caso inglês ou espanhol, o rei/rainha; se for república, no caso francês ou português, o presidente).

No parlamentarismo, a eleição mais importante é a de deputados, também chamados de parlamentares, na Inglaterra são os "comuns" [lá o "senado" seria a Câmara dos Lordes e a "câmara de deputados" seria a "Câmara dos Comuns", distinções que se originaram ainda na baixa idade média].

Voto distrital e proporcional

Os britânicos possuem cerca de 650 "comuns", que são eleitos por voto distrital, isto é, o território do país é dividido em distritos, na quantidade de parlamentares. Os candidatos concorrem no seu distrito, só podem ser votados naquele distrito, e o mais votado ganha a representação. Perceba a diferença para o Brasil. Aqui, o voto é proporcional. Vejamos: Pernambuco possui 25 deputados federais e os candidatos nas eleições podem receber votos de qualquer eleitor em qualquer município do estado. Ao final da eleição, apuram-se os votos dos partidos e estes elegem deputados proporcionalmente à quantidade de votos que obtiveram.

Essas diferenças de funcionamento não são apenas caprichos teóricos de cientistas políticos. Elas provocam efeitos práticos na vida política absolutamente contrários entre si. O voto proporcional favorece a existência de mais partidos políticos, considerando que os candidatos podem obter votos em uma ampla região, inclusive beneficiando-se do voto ideológico, de opinião. Por exemplo, em Pernambuco, candidatos como Roberto Magalhães (DEM), João Paulo (PT), Marco Maciel (DEM), Luciano Siqueira (PCdoB) recebem votos em todo o estado de pessoas que se identificam com seus posicionamentos ideológicos. O voto distrital favorece o bi-partidarismo, considerando que o candidato apenas pode receber votos em uma região específica do estado e que apenas o mais votado vence. A eleição parlamentar dessa forma é muito mais difícil e tende a parecer-se muito com uma eleição de prefeito ou governador. EUA e Inglaterra adotam o voto distrital; Brasil, Portugal, Itália adotam o voto proporcional. Atenção: os sistemas não são únicos nem puros, cada país possui particularidades e cada detalhe "técnico" pode provocar alterações sérias nos resultados eleitorais.

O caso inglês

Na Inglaterra, os eleitores votam para os "comuns" sabendo que o partido que eleger a maioria absoluta indicará o primeiro-ministro, que será um dos deputados e que fez a sua campanha dizendo isso. Apurados os votos, pode ocorrer um dos casos. (a) se um partido tem maioria absoluta, está automaticamente indicado o primeiro-ministro, porque apenas os votos do próprio partido já são suficientes para a sua aprovação; (b) se nenhum partido obteve maioria absoluta, começam as negociações com os partidos menores para a formação de um governo de "coalizão", isto é, de aliança. Esta é a alma do parlamentarismo: o governo é a expressão da maioria do parlamento. Não há um prazo definido para o mandato: o primeiro-ministro segue no cargo enquanto o seu partido ou coalizão forem majoritários.

Nesta eleição, os votos dividiram-se entre os Conservadores [cerca de 300 cadeiras], os Trabalhistas (cerca de 260) e os Liberais-Democratas (cerca de 60). Os primeiros não obtiveram a maioria absoluta (em torno de 330 parlamentares), mas os trabalhistas ainda tinham chance de fechar um acordo com os Liberais, que se tornaram o fiel da balança. Assim, após uma semana de negociações, os "tories" (conservadores) fecharam uma aliança com os liberais e formaram o novo gabinete, composto por DAVID CAMERON como primeiro-ministro e NICK CLEGG como vice-primeiro-ministro. Cameron substitui os trabalhistas após 13 anos das gestões de Tony Blair e Gordon Brown. Para conseguir o apoio de Clegg, garantiu uma revisão do sistema distrital para alguma forma de proporcional, que como vimos, dificulta a vida dos partidos pequenos.

A grande ironia

Aqui no Brasil muitos atribuem ao voto proporcional a causa da desordem da representação e dos males da classe política. Que o sistema favorece a eleição de parlamentares "celebridades", a infidelidade partidária, a fragilidade dos partidos e que o eleitor não se relaciona com o seu deputado, que deveria ser o seu representante. Muitos defendem o voto distrital como solução para estes problemas, afirmando que ele aproxima o parlamentar de sua base e que seria mais fácil acompanhar a sua atuação.

Na Inglaterra, um dos grandes debates foi exatamente o dos males do sistema distrital, que impedem a renovação política e fazem com o partido liberal, do Nick Clegg obtenha um total de votos no país entre 30 a 40%, mas apenas eleja 10% do parlamento, porque os seus candidatos perderam nos distritos. Se perde, não leva nada. O formação do novo gabinete pelo conservador Cameron apenas se tornou possível pelo seu comprometimento com os liberais em rever em alguma medida esse sistema. É realmente, uma grande ironia...

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